segunda-feira, 19 de abril de 2010

Sui

"Pouco a pouco,
Sem que qualquer cousa me falte,
Sem que qualquer cousa me sobre,
Sem que qualquer cousa esteja exatamente em qualquer posição,

Vou andando parado,
Vou vivendo morrendo,
Vou sendo eu através de uma quantidade de gente sem ser.

Vou sendo tudo menos eu.
Acabei.
[...]"

Morria lentamente à medida que o sol ia do Leste ao Oeste, não só pela contagem cronológica, mas porque se matava em gotas que engolia por querer e outras forçadas goela adentro. Morria lentamente no trabalho, onde o produto do seu esforço não lhe cabia, produzia por obrigação de sobrevivência, morria porque não se reconhecia naquilo. Fenecia pelos sonhos que abafava no clarear do dia, pela sua covardia, pelo seu comodismo, pelo sentimento de mãos presas e boca cerrada. Se matava pelas suas escolhas, pela própria falta de escolha, pelo vazio que sentia, pelo que a solidão lhe impelia a fazer. Morria lentamente pela falta de força, pelo arrefecimento de suas convicções, por sentir-se solitária, pela falta de comparsa. Acabava-se de domingo a domingo na rotina de levantar, comer, trabalhar, cansar, repor energias e voltar ao começo de tudo aquilo. Morria, talvez, por não acreditar em si mesma, por duvidar de tudo, por não transformar o que sabia que estava errado. Ia morrendo um pedaço seu a cada céu que não olhava, a cada barbárie ignorada, a cada injustiça tratada como natural. Isto era, também, uma forma de suicídio, porque dava a morte a si própria.

Lola.

3 comentários:

Mulheres de Atenas disse...

Também cometo suicídio neste mesmo cenário.
Lily

Mulheres de Atenas disse...

Bingo!

Ass: sua comparsa

Daniel Savio disse...

Mas tem como ganhar um pouco de vida com esta morte diária, quando a gente após tanto esforço, consegue tirar um sorriso de alguém que a gente ama...

Fique com Deus, menina Lola.
Um abraço.