quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Forma perfeita

A forma mais singela para se despedir, em uma conversa virtual, é a palavra beijo. No singular, sem abreviações. Dei para achar essa palavra escrita sensual. Beijo desliza entre as teclas e lida, entre os lábios. Teorizei que quando se manda beijo, o outro deve ser especial. Beijos a gente manda automaticamente, para qualquer um. Beijão merece certo grau de aproximação. Mas beijo, beijo, beijo escrito assim repetidas vezes me provoca, atiça.
Talvez porque a palavra é linda falada. É íntima o suficiente, pronuncia-se inteira, pausadamente. Roça no ouvido. Quem fala beijo deve antes molhar os lábios, para que o som resvale, e o outro a pegue no ar.
O encontro das vogais prolonga a palavra, mas ao mesmo tempo o som final, o do biquinho, a deixa curta. É um termo que me intriga. Talvez porque as palavras sem sinônimo à altura me fazem refletir sobre elas. Ósculo é feio, pegajoso. Ou talvez porque, ao ler um beijo, a gente imagina o locutor. Como ele fala beijo. Como ele beija. E como será além de ouvir, sentir o beijo.
O beijo reticente, necessário em um curto espaço de tempo. O beijo dos delírios de Rodin, o beijo despretensioso, o beijo do encontro e aquele último, o grave, o beijo da despedida. O beijo que, sendo o derradeiro, fica.

Rosa.

domingo, 22 de novembro de 2009

Referência

Texto citado no texto anterior. Do genial Xico Sá:

A GENTE SE VÊ (O REMIX)(03/11/2009)



Em uma megalópole como SP e outras tantas grandes cidades, haja encontros e desencontros, Sophia querida, alguns não tão graves, acontece, outros infinitamente dolorosos, que nos perturbam os sentidos, que fazem a gente maldizer os céus, os astros, o destino.

Fica tudo na base do “a gente se vê”... E fudeus, adeus!

Não que fosse acontecer um casamento ou algo do gênero a partir daquele encontro, nada disso, mas foram encontros bonitos, fortes, que se acabam ali mesmo, na poeira da estrada, numa tarde fria, em um café da manhã, numa simples despedida sob a neblina na Dutra ou Anchieta.

“A gente se vê.” Pronto, eis a senha para o terror, o “never more”, o nunca mais do corvo do escritor Edgar A. Poe.

A gente se vê. Corta para uma multidão no viaduto do Chá.

A gente se vê. Corta para uma saída de estádio lotado em dia de decisão do campeonato.

A gente se vê. Corta para “onde está Wally”.

Nada mais detestável de ouvir do que essa maldita frase. Logo depois a porta bate e nem por milagre.

Jovens mancebos, evitem essa sentença mais sem graça. Raparigas em flor, esqueçam, esqueçam.

Melhor dizer logo que vai comprar cigarro, o velho king size filtro do abandono. Melhor dizer que vai pra nunca mais. Melhor o silêncio, o telefone na caixa postal, o telefone desligado, o fora da área, a clandestinidade amorosa, o desprezo on the rock´s.

A gente se vê uma ova. Seja homem, troque de palavras, use o código do bom-tom e da decência. A gente se vê é a mãe, ora, ora.

Como canta o Rei, use a inteligência uma vez só, quantos idiotas vivem só...

Esse “a gente se vê” deveria ser proibido por lei. Constar nos artigos constitucionais, ser crime inafiançável no Código Penal.

A gente se vê é pior do que a gente se esbarra por ai. Pior do que deixar ao acaso, que jamais abolirá a saudade, que vira uma questão de azar e sorte.

Melhor dizer logo “foi bom, meu bem, mas não te quero mais”. YO NO TE QUIERO MÁS, como na camiseta mexicana que ganhei de una hermosa chica. Dizer foi bom meu bem e pronto, ficamos por aqui, assim é a vida, sempre mais para curta do que longa-metragem.

A gente se vê é a bobeira-mor dos tempos do amor líquido e do sexo sem compromisso. A gente se vê é a vovozinha, foda-se!

Seja homem, seja mulher, diga na lata.

Não engane a moça, que a moça é fino trato, que não merece desdém.

A fila anda, jogue limpo.

A gente se vê. Corta para uma multidão no show do Morumbi. A gente se vê. A gente se vê. Corta para a multidão no Campo de Marte. A gente se vê. Corta para o formigueiro do Maracanã. A gente se vê. Corta para a São João com a Ipiranga. Corta para a 25 de Março em véspera natalina. A gente se vê. Corta para um engarrafamento gigante na marginal do Tietê...

A gente se vê. Então aproveita e vai olhar se eu estou na esquina!

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Post it




Nobres rapazes, não tenham medo de dizer o poderoso NÃO, o “bye, bye, tchau, fui”, o “sai da minha aba”, o “desencana, tô noutra”, o “au revoir”, you know? O sexo feminino não é tão frágil que não possa suportar um adeus. Elas já deram e receberam tantos, e muitos ainda virão nessa vida. Não será o seu que fará desmoronar nada além do que um dia ou dois. Um e-mail efusivo, uma ligação carinhosa, um recado esperto, nada disso significa que elas morram de amores por vocês. Elas podem, sim, “ser legais e não dar mole”. Vamos lá, não se preocupem, elas podem não estar nas suas, e, caso estiverem, entre um não e outro, haverão muitas afirmativas. Por isso, digam, digam sim um NÃO bem gostoso de se ouvir, pelo menos mostra que coragem não é um adjetivo apenas feminino.
Vamos lá, mancebos, sem melindres...
Afinal, como diria o velho Buarque:

"Se acaso me quiseres
Sou dessas mulheres
Que só dizem sim
Por uma coisa à toa
Uma noitada boa
Um cinema, um botequim"

[Inspirado no “A gente se vê”, de o carapuceiro]

Luiza.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Quando a cabeça encosta o travesseiro

[Da série "Quando"]

O peito dói quando a cabeça deita sobre o travesseiro. É lá que borbulha o peso dos sonhos abafados, das palavras não ditas, dos planos no amanhã. Exatamente naquele lugar, voltam as lembranças das letras que o vento leva, dos sentimentos que passam desencontrados, como a lua que cresce e o sol que cai, acabando com o desejo de admirá-los juntos.

Naquela hora em que a cabeça deita e o peito sofre, se faz mil planos, se desenha novas figuras. Lá é que habita a saudade daquele velho corpo, daquela canção mais sabida, da poesia decorada, da ligação prolongada. Daquela posição é que se desenha novas calçadas, se faz prodigiosos planos e se espera o melhor de tudo e de si mesmo.

É quando o corpo parado e a mente louca, viajando, se espera o beijo na testa, o cafuné mexendo os cabelos, a música no ouvido emanada daquela voz doce que sussurra os versos açucarados. Quando o peito dói, a cabeça alcança o travesseiro e a mente viaja, você bastaria do meu lado, sendo sol e lua juntos, na dança mal ensaiada da vida.

Luiza.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Espírito

“Estou cansada”. A frase foi dita duas vezes no filme de personagens desconhecidas e ao mesmo tempo entrelaçadas. Entrelaçadas estamos todas nós, mulheres, nesse cansaço diário. Sempre acreditei que determinadas palavras têm mais força na boca feminina. Na boca vermelha de batom, na boca carnuda que pede um beijo. Na boca que treme, querendo fugir, na boca que faz bico querendo ficar.
Quando um homem diz: estou cansado, geralmente é físico. Quando é a mulher, mental. Não estou dizendo que são esses os únicos cansaços possíveis, para um e outro. Mas quando uma de nós diz: cansei, é porque cansamos mesmo.
Ando cansada dessa gente que não sabe para onde vai. Cansei de notícias que não me dizem nada. Estou farta de histórias de amores impossíveis, seja pelo sistema, pelo regime patriarcal, pela distância. Chega dessa história de “cada escolha é uma renúncia, isso é a vida” (vá se foder, Chorão).
Quero paz na minha cena.

Rosa.