segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Sem escolha

Convivo com quatro pequenas criaturas que, sendo pequenas, cabem na palma da minha mão. Entretanto, não ficam ali, mas ocupam-se em rondar minha cabeça, todo dia, o tempo todo. Elas têm asas e o bater de suas asas torna-se um irritante zumbido nos meus ouvidos. Vez ou outra suas vozes soam como harpas, orgulho-me em tê-las por perto, mas, quase sempre, essas pequenas criaturas ficam a girar em volta de minha cabeça e, como se não bastasse deixar-me zonza, colocam seus dedos em riste.
É seu prazer particular. Estando próximas a mim, a presença das pequenas criaturas traz à tona a minha culpa, minha tão grande culpa. Elas me culpam por eu não ser tão pequenas como elas, por não ser da forma que elas são. Culpam-me pelas minhas escolhas, que, sob suas pequenas visões, estão sempre incorretas. Se compro algo rosa, deveria ser azul. Se vou por um caminho, deveria ter escolhido outro. Se alguém me bate de graça, a culpa é minha, obviamente, já que dei motivo (qualquer motivo). Não é à toa que nunca consegui acertar um presente, não é à toa que nunca consegui ir para lugar algum.
Já desejei fortemente ser como elas. Desejo impossível, diria-me o gênio. Não é possível nascer de novo. Já me tornei deste tamanho. E as pequenas criaturas voltam a me culpar.
Quis não existir mais. Sem mim, elas encontrariam outra criatura para atazanar, para descarregar suas frustrações de pequenos seres. A mim, basta. E outra, dos mortos, carregamos apenas boas lembranças, elas não poderiam mais me culpar.
Trago agora a vontade de envolver-me num invólucro, com paredes maciças e sem fresta alguma que for, sem pedaço transparente. Sem minha imagem, sem meus deslizes, elas não poderiam me alcançar e esqueceriam que eu, um dia, as trouxe algum mal. Desisti da ideia, por saber que sentirei falta, por saber que estamos condenadas, eu a elas, elas a mim.

Um comentário:

Mulheres de Atenas disse...

Também quero me livrar delas. Mas acho que essas pequenas criaturas que nos atormentam são exatamente a essência do que nós somos... Nos colocam limites, nos criticam, nos conhecem...
Beijos,
Lily