sexta-feira, 19 de março de 2010

Deste sol

A gota de suor escorria pela têmpora até a barba hirsuta e amarelada. Para ele, o céu azul não remetia a lembranças leves, muito menos de baunilha. O vento que soprava devagar, não amenizava o calor do sol queimando o rosto desprotegido. Do alto do andaime daquele prédio, só olhava para cima na tentativa de enxergar a estrela batendo no ponteiro alto do relógio. Subia e descia seis vezes por dia, o trabalho era chapiscar aqueles tijolos com massa de concreto. Na viagem do meio, era o tempo que tinha para amenizar um pouco do calor com o arroz e feijão frio que engolia. O preparo anterior era feito por ele mesmo, a mulher também era escrava do tempo e, na corrida, não lhe dava beijos de hortelã. Depois do intervalo do meio dia, voltava à rotina do andaime, da pá e do cimento. O esforço manual até deixava um curto espaço para a mente viajar, mas debaixo daquele sol ela não ia muito longe. Parecia que a cada pá de cimento jogada contra parede, ele aterrava o dia, o mês, a vida. O cimento que ele deixava naquela parede que nunca seria a sua casa, fazia com que ele próprio endurecesse. À noite chegava em casa, tomava um banho gelado e deitava no sofá em frente à tv. Daquela tela via moças e rapazes bonitos, senhoras e senhores muito bem alinhados, praias, piscinas, ar condicionado, limonada suíça. Absorto por aquelas imagens que refletiam tudo, menos a sua vida, adormecia... No dia seguinte, ainda madrugada, descia pedalando pela rua rumo ao céu. O sol já começava a despontar e ele nem sequer percebera que, na véspera, mais um verão havia terminado.

Lola.

5 comentários:

Daniel Savio disse...

Post bom, realmente levamos a vida sem importamos realmente de vive-la, seja por vontade própria de negligência-la, ou devido aos compromisso que temos da nossa suposta vida...

Fique com Deus, menina Lola.
Um abraço.

Mulheres de Atenas disse...

Adorei as referências à Construção e Cotidiano. Realmente, uam criazinha do Chico. Haha
Amei o texto, pedalando rumo ao céu foi lindo...

WAA - Wagner de Alcântara Aragão - Waguinho disse...

A tradução de "Pedro Pedreiro" para o castelhano, que aparece no vídeo anexo ao post, ficou "muy" engraçada: "Pedro el albañil..."

Mulheres de Atenas disse...

Não ligue para a tradução, rapaz, se atenha à música! Foi díficil encontrar o vídeo... haha

Mulheres de Atenas disse...

Acho que até o Chico ficaria admirado com a narrativa. Texto bonito, história triste.
Eu também não percebi que o verão havia terminado. Vou dormir pensando nos tijolos que hoje enterrei...
Beijos,
Lily Braun