quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Casa vazia

O telefone tocou já era madrugada. A notícia não foi novidade, um dia antes a mãe avisou “fique preparada”. Eu recebi o recado e voltei a dormir profundamente. Na manhã seguinte o despertador tocou às seis, estava ansiosa por partir. Fiz o rito matinal, escolhi uma música, não pela letra, pelo título: duerme, negrita.

Ela não era negra, tinha pele clara. Ela não era avó, era nona. Era católica e gostava de ler revistas. Ela que ensinou os mais variados jogos de cartas, porque nas noites de férias era o passatempo, nosso e dela. Nos levava passear pelas estradas de chão e ensinava a arrancar uns galhos dos arbustos à beira do caminho para nos proteger do sol. Na escola meus amigos ficavam abismados quando eu contava que na casa dela não tinha televisão, apenas um rádio muito antigo.

Ao chegar, meu tio pediu pra que escrevesse uma mensagem pra pôr na única emissora de rádio da cidade, assim ficava mais fácil avisar amigos e parentes. Nessa hora lembrei do aparelho velho e da velha casa rosa. Enquanto dirigia ao encontro da família, lembrei de como eram nossas despedidas depois de passar o final de semana em sua companhia. “Quando vocês vêm de novo?”, perguntava ela antes mesmo de dar o beijo e o abraço. Ao avistar essa cena bateu o aperto no peito que ainda não tinha vindo. O aperto veio por resumir a história na palavra saudade. Aquela que tantas vezes a Nona sentiu, e a que agora nós sentiríamos.

Depois da cerimônia a noite foi de pura nostalgia, uma reunião com os primos e muitas histórias pra relembrar. Na manhã seguinte a família se encontraria lá na casa pra resolver assuntos de protocolo e decidir como as coisas ficariam. As filhas começaram a remexer gavetas, armários e cantos da casa. Tinham a dolorosa tarefa de reunir o que um dia foi da mãe, e agora guardariam os objetos de valor simbólico, pois a casa já não abrigaria ninguém.

De longe observava os movimentos. Aos poucos os filhos foram saindo, levando as lembranças e um pouco da tristeza dividida entre os que ficam. Depois de tudo, o mais ruim foi mirar a casa vazia, após décadas habitada.

Um comentário:

VELOSO disse...

Conto comove e move nossos sentimentos adormecidos...