quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Vidas sem vida

Anita nutre pelos livros um sentimento estranho. Ora os adora, ora os odeia. “Os livros são traidores”, pensa. Quando quer companhia, eles não a negam. Estão sempre prontos na estante, para quando ela preferir. Ela tem o poder sobre eles, abre e fecha quando quiser. Pode até pular o que considerar maçante, se assim preferir, mas nunca o faz.
Porém, não se pode confiar nos livros, pois eles a tornam refém. Fingem contar-lhe tudo. Nenhum personagem escapa aos olhos da leitora e é por isso que fica cativa. Anita sente-se responsável pela vida de cada um. Não importa se são bons ou maus, a vida deles está em suas mãos e cada um merece ter o seu final. Ela pode, com um marca-páginas, estagnar o andamento das coisas, fazer com que aquele momento seja eterno. Se ela não terminar, a vida deles será incompleta. Por várias vezes teve o ímpeto de não continuar, mas a agonia de um eterno marasmo na vida dos personagens a fez voltar. Imaginou que alguém poderia interromper a leitura de sua trajetória neste exato momento e ela seria obrigada a acordar e dormir eternamente como hoje. Odiou a idéia e teve a certeza de que nenhum livro deve ser lido pela metade. Ele pode não ser interessante, mas é dever do leitor terminar o que iniciou.
Por tudo isso, Anita é metódica ao escolher o título que irá ler. Pede sempre informações e nunca lê a contracapa se ela tiver trechos ou o resumo do livro. Gosta das críticas, de saber se é considerado bom ou ruim. Contudo, nem sempre acredita nelas, prefere a sua própria opinião. Acha um desrespeito saber da vida do personagem sem antes ser apresentada a ele.
Em alguns casos, ela sente ódio pelo autor. Sente ódio se a história não vai bem ou se não a surpreende, pois de previsível basta a sua vida. Mas o que considera traição é o fim, quando não está preparada para isso, quando sabe que aquela história poderia continuar. Quando um livro bom termina, ela sente um vazio, uma sensação de inexistência, que só um ótimo personagem pode lhe causar.
Gosta das histórias longas e nunca assiste ao filme sem antes ler o livro. Sente prazer em criar os personagens em sua mente, imaginar com quem se parecem, como são seus olhares e sorrisos. É também leitora assídua de crônicas, amores de carnaval.
Anita não gosta de presentear com livros. Ela é egoísta. Os quer para sempre, para ela, disponíveis na estante. Nunca deu a ninguém um livro que comprou para si. Há um que tenta esconder de sua mãe, pois ela não compreenderia tal conteúdo na mente da filha. Ela o deixa sem visibilidade na prateleira, tal como está sua vida agora, mas não tem autoridade suficiente para se livrar.

Saudades, Terezinha

2 comentários:

Mulheres de Atenas disse...

Acho que a sua meta para 2009 é: dar um livro pra alguém.. haha
E agora fiquei curiosa pra saber que livro é esse ;D

bjs e com a mesma saudade,

Luiza.

Mulheres de Atenas disse...

fabuloso.
acho q sou um pouquinho anita.
nunca tinha parado para pensar na fantasiosa história de não interromper a vida de um personagem, pois alguém poderia interromper a nossa também.
;)