domingo, 14 de dezembro de 2008

Ela não disse, mas sentiu

"Pois, quem pode saber o que é bom para o homem na vida, durante os dias de sua vã existência, que ele atravessa como uma sombra? Quem poderá dizer ao homem o que acontecerá depois dele debaixo do sol?" (Eclesiastes 6,12)

Ela acordou com uma vontade de chorar. Não pelo visível, não pelo que aconteceu na noite anterior, não pelo que ouvira, muito menos pelo que não ouvira. Só uma vontade contida, mas cortante por dentro. Um desejo de chorar, mas que só se manifestava internamente. Internamente tudo borbulhava, prestes à ebulição. Seria mais fácil se de uma hora para outra ela se acabasse em prantos, porque pelo menos todos saberiam que algo lhe afligia. Não seria como estava agora, tentando disfarçar em frente à tela, com o olhar perdido, esforçando-se em manter a atenção na conversa. “Ser triste é perda de tempo”, ouvira o chefe dizer. E ser feliz é o quê? É otimizar o tempo, é a melhor coisa que existe? E por que a alegria é tão efêmera e dá, de uma hora para outra, lugar para a tristeza, esta sim que não tem fim?

Ela foi à igreja. Lá encontraria a cura dos seus males, certamente. Coincidentemente, o tema da celebração era a alegria. “Nós, os cristãos, devemos ser alegres”. E pela primeira vez não se sentiu cristã. Porque ela não tinha aquele semblante pujante de quem encontrou os braços do Senhor. Sentia-se menor por isso. “A busca da alegria é a busca de Deus, disse Santo Agostinho” e, enquanto o padre falava, ela parou para pensar de que forma buscava Deus, se o buscava e por que não encontrava a alegria que vem com Ele. “Eu sou triste e acho que sempre será assim”, um amigo lhe confidenciou. “É isso que os existencialistas chamam de angústia”, disse a ela. Não, ela haveria de renegar esse triste e pobre destino! Não queria passar a vida toda desassossegada, sabendo que algo está por lhe faltar. “E alguma coisa a gente tem que amar. Mas o que, não sei mais”, o músico cantava. E isso que não se sabe que nome tem, quando falta dá lugar a outro sentimento, também sem nome, o da falta de. Seria angústia, companheira pelo resto dos dias? Seria tristeza, afinal? Não conseguia dar bom dia à tristeza, como Vinícius. Mas sentia a tristeza como quem a carrega no ombro, como um papagaio de pirata.

Ela pensou se vagaria sempre assim. Solitária, porque não acreditava em amor para a vida toda, inquieta, porque o saber a lembrava que era ignorante de muitas outras coisas, medrosa, porque sabia do porto, mas o porto não a sabia. “Barco sem porto. Sem rumo, sem vela”. À flor da pele.
“A alegria está no Senhor no meio de nós”, o padre continuava, quase no fim do sermão. Onde encontrá-los? Sabia-se triste, mas não sabia o motivo, não sabia como contornar a tristeza que chovia por dentro, anoitecendo a alma. Sentia medo de ser acompanhada pela sombra que agora lhe afligia pelo restante dos dias. Tinha medo de habitar a cidade fria e escura pelo restante dos dias. Tinha medo de começar os dias, sempre tão iguais, pelo restante dos dias. “Do que você tem medo, afinal? Não seria de você mesma?” Talvez, ela respondia à amiga.

Mas era tão inofensiva, que não poderia meter medo à coisa alguma. Carregava em si não a beleza, mas qualquer coisa de triste, qualquer coisa de saudade, qualquer coisa de coisa nenhuma. Não dizia sim a nenhuma causa, porque isso implicaria dizer não a inúmeras outras coisas. Essas totalmente dispensáveis e sem a pá de moinho que move os corações. E na solidão dos dias, no sermão, nas conversas, não chegou à conclusão nenhuma. Talvez porque as respostas não poderiam ser encontradas quando a dor, no fundo, esconde uma pontinha de prazer.

Beatriz, triste, pra não rimar.

3 comentários:

Mulheres de Atenas disse...

"Mas pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza, é preciso um bocado de tristeza senão não se faz um samba não..."

Não quero mais te ver tão triste assim...

bj, Carolina.

L. disse...

Perfeitooo...
Nunca conheci um escritor feliz, pois se fossem não seriam escritores.

Bjo, nega

Lorens

Mateus Rolim: disse...

caraca, muito bom o textoo
melhoras... parabéens
beijo