sábado, 24 de maio de 2008

De olhinhos puxados

Meu pai viajou anos e mais anos para a fantástica terra vizinha das muambas, o que fez com que minha casa vivesse abarrotada de quinquilharias “Made in Taiwan”. Lembro que a cada viagem (e eram muitas) ele me trazia um novo brinquedo. E cada vez que a gente descarregava as mercadorias na “loja” - que ficava dentro da cozinha de nossa casa, cheia de prateleiras para abrigar os mais variados objetos (de aparelhos de fax, tira-bolinhas a barbies paraguaias) - minha mãe escolhia e separava os exemplares mais finos para decorar nossa casa. Passados quase dez anos que meu pai deixou de fazer as viagens, os bibelôs permanecem e eu nunca tinha notado o quanto a escolha desses objetos oriundos d’além mar podem se interferir na nossa cultura e inclusive render reflexões.
Ontem mesmo, eu estava limpando a sala com minha mãe e falei que na nossa casa tinha tantas imagens de Buda, que parecíamos mais uma família de budistas antes de católicos fervorosos. Há alguns anos, tinha até moedas debaixo das imagens. Minha mãe riu e disse: Dá sorte.
Lembrei que eu, há muitos anos, achava engraçado que as estátuas de Nossa Senhora que vinham do Paraguai tinham todas expressões coreanas. Aqueles olhinhos puxados não se pareciam muito com a Maria que estamos acostumadas aqui. Eu era pequena e não tinha parado para refletir que este é um indício de que o homem constrói seus deuses à sua imagem e semelhança, afinal, nas escrituras sagradas está escrito que Deus criou seu homem tal qual Ele.

Estive conversando sobre isso ontem, com aqueles amigos de infância com quem a gente não se diverte apenas contando histórias, mas pode falar sobre tudo e qualquer outra coisa e, no fundo, antecipa algumas frases deles, porque a gente os conhece desde sempre. Algumas coisas nunca mudam.
E quando chegou no assunto de religião, vi que uma das minhas amigas, que passou anos endiabrando tudo e todos à sua volta (em especial esta que vos fala), parece ter se encontrado. Hoje ela sabe tudo sobre Hare Krishna, namastê, Osho e muitas dessas coisas das quais não entendo bulhufas. Para ela, é o suficiente para andar como se tivesse flutuando e achar tudo lindo, desde que seja feito com o coração. Algumas coisas parece que mudam, mas pode ser que apenas tenham se encaixado.

Estávamos em quatro pessoas. Ela, eu (católica praticante), um outro (católico revoltado) e mais uma (católica meia-boca). E por incrível que pareça as idéias que mais batiam eram as minhas e a da hare krishna. Porque acho que o que importa mesmo é acreditar. Fazer algo, seja seguir um ritual, comungar ou meditar, envolve sempre acreditar em uma coisa maior e que, acreditando, te faça bem. Muito além de mostrar aos outros ou cumprir uma obrigação, tem que fazer bem.
Se você vai à missa toda semana e gosta, se sente mais leve depois, que bom! Se você decora mantras, não come carne vermelha e essa é a sua religião, siga-a e seja feliz. Se você é ateu e isso faz todo o sentido para você, ótimo!
Meu pai é daqueles que sabem todas as orações católicas apostólicas romanas de cor e salteado. Minha mãe aprendeu muitas delas com ele, mas não abre mão de um pé de arruda na porta de casa ou das imagens de Buda. Meu irmão já pintou na parede a imagem de um deus metal, que precisou de umas cinco mãos de tinta marfim para que os rabiscos fossem camuflados, doze anos depois.
Vai ver que a graça do mundo é que todos temos opiniões diferentes. E a graça maior está em aceitarmos o que vem de fora, sem repudiarmos, olharmos de cara feia ou batermos boca. Uma vez o jornalista José Arbex Jr. foi perguntado sobre o que ele achava mais importante para ser um jornalista. Ele respondeu que era a capacidade de sempre rever os seus preconceitos. Abra bem os olhos e, se eles são as janelas para sua alma, abra-a também. E o mais importante:
Tudo, tudo o que fizerdes, fazei de todo o coração.

Ass. Beatriz, em um fantástico mundo em que todas as coisas são belas.

6 comentários:

Marcus Vinicius disse...

poxa belo texto gostei!
teu blog muito lindo!
um abraçoo

Michele Matos disse...

Muito bom!
Eu sou preconceituosa, estou me curando aos poucos...
=)

Neto Verneque disse...

nusss, sem palavras para comentar o texto...
eu sou assim, acredito q religiao vem d cada um d nos, o q importa é akilo que nos faz bem

Jepre disse...

hahaha
usei essa citação do Arbex na minha mono, vc me lembrou agora!
hahaha
ótimo texto!
bjos

Ankhmaya disse...

Gostei de todo o texto, mas Adorei a última frase!
Abrir a alma, assim como abrimos os olhos. Lindo isso!
Agora, santinha com olhos puxados eu nunca tive ou vi alguma! Deve ser, no mínimo, engraçado...

Tu já viu um vídeo no youtube chamado "Dance Mokeys, Dance"? Nele tem uma passagem que ele fala que os Homens criaram Deuses, pois sentiram-se sozinhos. Acho isso ótimo! Ou seja, não foi Deus que criou o homem a sua imagem e semelhança, mas o oposto.

Beijos e parabéns pelo texto!
PS: concedi a esse blog o Selo de Garantia. Parabéns!
_________
Folhetim On Line

Mulheres de Atenas disse...

(((Eu ainda vivo e comento!)))
O importante é ter fé,não importa em que! Adoro a parte bonita de cada religião, juntar os pedacinhos e, quem sabe, ser uma pessoa melhor.
Helena