quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Sopro de vida

"[…]
Se esconde nas sombras que se movem
Nos objetos que não mais servem
Nas pessoas que nunca mais vimos
Na podridão das frutas que não foram colhidas
Nas lembranças já esquecidas

Revela-se nas fotos que se desbotam
Nas cartas que amarelam
Nas crianças que crescem
Nas rugas que aparecem

Deixa-nos a esperança de Pandora
Nas ações dos que virão
No nascimento dos rebentos"
O Tempo

Há pouco tempo li uma entrevista que a Marieta Severo concedeu tempos atrás para um jornal impresso. Mulher de poucas palavras quando longe do palco e das telas, ela falava sobre a vida que tinha passado e sobre a vida que acontecia. Lendo aquelas páginas, imaginei ela gesticulando, me dizendo aquilo tudo, serenamente. Das tantas frases, uma marcou mais. Perguntada se tinha pressa em viver, sabiamente respondeu: “Não tenho pressa, eu tenho sede!” - Certeira.
Ter pressa dá a sensação de passar correndo pelas coisas, como andar de carro concentrada na estrada sem poder olhar para o lado e ver o que brotaria no horizonte. É diferente de ter sede de viver. Ter sede é degustar pausadamente cada gole d´água, sentir ela caindo goela adentro. É, apesar de tudo, se esforçar para ir caminhando, mesmo com aquela vontade de correr loucamente.
Talvez isso tudo ainda nos remeta às aspirações ladeira acima, como disse Martín Santomé (A Trégua), que depois de observar seu filho, afoito, começou a pensar nos seus quase 50 anos e nas suas aspirações que já se iam ladeira abaixo. O tempo, quimera dos pobres mortais, sempre deixando as escolhas à beira de desafiadoras encruzilhadas.
Final de semana desses a vó tava em casa, sofrendo dos males que os seus setenta e poucos lhe traziam. Deitada na cama, sob o carinho de reticentes mãos, chorava copiosamente, feito criança. O choro, com motivos tácitos, instigava a imaginação; terá a vida sido tão boa antes, que agora a fragilidade da saúde, vinda com a idade, tornavam seu sofrimento ainda maior? Ou terá sido uma corrida tão apressada que não valha o sofrimento de agora? A vó não respondeu, simplesmente porque a pergunta não saiu garganta afora. Na mesma tarde, pouco depois, ela foi levada sem forças ao hospital. Estava no final da ladeira, quem sabe, nos últimos sopros de vida.

Lola.

Um comentário:

Mulheres de Atenas disse...

Tem uma velhinha aqui na minha rua que adora falar comigo. Ela tem uma história incrível, que apesar dos seus 84 anos, parece que aconteceram tantas coisas que faltaria tempo para tudo! Ela sofreu tanto e o que mais me impressona é que ela não chora! Ela é grata por tudo, por estar tudo bem. Ela diz: "se não tivesse sido daquele jeito, hoje não seria assim".