quarta-feira, 30 de junho de 2010

A metamorfose frustrada (replay para o Espaço Aberto)

“Assim como Brad Pitt está com Angelina Jolie, nenhum príncipe há de querer uma plebeia”, pensou. E então, como disse o personagem de uma peça que assistiu, aceitou se esconder da chuva no galinheiro, mesmo sabendo que se andasse um pouco mais poderia encontrar um palácio de cristal. Eles se divertiam quando estavam juntos e nada mais. Nem bom de cama ele era. Ainda assim, ele não ligava, a fazia sofrer.

Anastácia - tinha nome de princesa e nada mais. Não tinha modos delicados, exagerados até. Seu riso não era doce, era natural. Suas unhas nem sempre estavam bem feitas e nos dias mais corridos não usava mais do que um batom. Costumava assistir aos romances e andava um tanto chorona. Viu todos estes defeitos e pensou que embora ele fosse um sapo que jamais viraria príncipe, o jeito era continuar no galinheiro, ainda que sofrendo, ainda que mal comida, afinal, não era ela nenhuma princesa.

De repente imaginou-se homem. Seria bonito, cheiroso, bem arrumado. Seria romântico. Mandaria flores. Faria surpresas. Imaginou-se esperando a mulher amada do lado de fora de sua casa, com uma rosa roubada de um jardim qualquer. A tiraria da cama no meio da noite para ver a lua. Tomariam banho de chuva. Estariam conversando por telefone numa noite comum e ela se assustaria com uma barata. Minutos depois ele apareceria charmoso e dedicado em sua porta, havaianas na mão para aniquilar o inseto e de quebra mimar a namorada. Cantaria para ela e dançariam the way you look tonight numa praça qualquer. Talvez ela não fosse muito bonita, mas seria inteligente. Ah! Como ele seria feliz por estar com alguém que soubesse lhe fazer rir, que tomasse cerveja, fosse com ele ao futebol e de quebra ainda fosse boa de cama. Ah, quase perfeito! Ele seria uma vingança contra o universo masculino insensível!

Então pensou que se fosse homem, na verdade, gostaria de ser totalmente o oposto. Continuaria sendo bonito, cheiroso e bem arrumado. Mas seria sacana. Coçaria o saco se lhe desse vontade. Ia gostar de música sertaneja para não ficar fora da moda e saberia dançar bem. Um sedutor - papo, olhar e sorriso que arrepiariam qualquer mulher. Andaria de carro, cheio de charme, janela aberta. Continuaria detestando estampas de animais. Se cruzasse com uma mulher vestindo uma peça de oncinha iria por a cabeça para fora e rosnar bem alto, a faria sentir vergonha por ter algo assim. Comeria todas e não ligaria no dia seguinte. “Solteiro, sim! Sozinho, nunca” - seria o seu lema. Chegaria sozinho às festas, sairia sempre acompanhado.

Dormiu pensando em como se chamaria se fosse homem. Que nome combinaria com seu estilo pegador?

Para sua surpresa, acordou homem. Era lindo! Olhou-se no espelho totalmente nu. “Homem, sou homem!” - surpreendeu-se, tocou-se, apaixonou-se por si mesmo. Abriu o guarda-roupas e viu que tinha bom gosto, bons perfumes. Saiu de casa e foi para o trabalho. Chegando lá, foi chamado ao escritório do chefe. “Aquele gostoso!”, pensou. Era homem e deduziu que aquela exclamação mental seria algum resquício de sua alma feminina. Entrou na sala e o homem veio para cima dele. Não fugiu. Então, percebeu a realidade: era gay! Sim, homossexual! Passivo, ainda por cima (ou por baixo, como preferir! O chefe o comeu e mandou sair. Não ligou durante a noite e ele sentiu-se mais sozinho do que nunca.

Tentou dormir, queria voltar a ser mulher! Afinal, se é para gostar de homens, sejamos convencionais. Concluiu que sendo mulher o mundo era menos difícil e mijar em pé nem é tanta vantagem!


Lily Braun

PS: Este texto foi publicado em março, mas como o tema coincidiu com a postagem coletiva do Espaço Aberto, resolvi postar novamente.

domingo, 20 de junho de 2010

Empoeirada

O relógio parado na parede ferrou com tudo. É por causa dele que não caminho, pensei eu. Existem os ponteiros, o objeto todo formado para marcar um tempo. E o tempo está parado. As horas não passam e quando passam, falta algum sentido. Quando se vê já são 22 horas! E o que foi feito da vida? E do amor? Sem energia. Sinto-me igual ao relógio parado na parede. Sem pilha. Parada, esquecida na parede do tempo.

Lígia

sábado, 19 de junho de 2010

Criador

A primeira vez que ouvi falar dele foi numa encenação de “A Banda”, na escola. Mas não foi aí que ele me encantou. Foi em trechos na apostila, em que as músicas dele tomavam forma em letras, em palavras, versos, estrofes inteiras. Foi inevitável buscar saber mais do homem conhecido pelo apelido, rodeado de curiosidades (era parente do dicionário?) e que causava asco em muitos alunos em idade escolar. Alvo de minha admiração devido às palavras escritas, Chico Buarque foi me tomando aos poucos com sua melodia e os olhos verdes, muito verdes, Quando me ganhou já era tarde. Eu não era de mais ninguém.
Tive fases de não largar sua discografia, outra de me ouvir cantando, sem mais nem por quê... Fucei na sua história, quis entender bem mais do meu conquistador. Até hoje, não absorvo bem a forma como ele mexe comigo. Mas desisti de elucidações complexas. Assumi a forma de criatura, sem caminho de volta ou indagação.
E por compartilharmos, as três, do mesmo gostar, optamos por sermos várias, mas todas dele.



Lígia, encarregada de dar parabéns.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Sim, tenho o Prêmio Nobel, e quê?

"Com 63 anos o que se espera que aconteça?" - ... às 4 da tarde. A hora está registrada em vários relógios da casa, em Lanzarote.





"'O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer'. Ela não tinha pena de morrer. Ela tinha medo de já não estar, no futuro, para continuar a ver esse mundo que achava bonito."



Editorial da Agência Carta Maior

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Meu jeito de dizer que te amo* - Dia 12 do que, mesmo?

Hoje a mãe diz que sente muita saudade do pai dela. Eu não sinto saudade, mas tenho boas lembranças, acho que não tanto por ele, mas pelo sítio que lhe pertencia. Lá eu passei aquela boa fase da vida em que tudo se resume a tardes de sol e traquinagens de criança. Quanto ao vô, as imagens da parede das memórias são poucas, mas nítidas. Ele sentado na varanda picando o fumo de corda para desfrutar do próprio cigarro antes do almoço; ele pedindo a algum neto que fosse até a pipa buscar um copo de vinho para tomar enquanto comia; dele sentado embaixo da mangueira depois de ter tirado a sesta.
Lá ele ficava até escurecer com o olhar perdido no campo de milho à frente. Eu lançava teorias ao vento tentando imaginar que diabos aquele vô tanto matutava. Se fosse hoje, eu entenderia o poder que a gente tem de se perder em pensamentos. A vó é viva ainda, tem lá seus oitenta e poucos. Me lembro que no dia do velório do marido ela chorou copiosamente, desconsolada, perdida. Eu não imaginava que depois de tanto tempo ela ainda teria tantas lágrimas pra derramar por aquele homem. Mais difícil ainda era entender a dedicação que lhe destinava - nunca soube se por opção ou obrigação.
O vô sentava-se à mesa quando ela já estava posta e ele era exclusivamente o primeiro a ter a comida no prato. Sim, não disse que ele era sempre o primeiro a servir-se, porque era a vó quem arrumava sua comida. Era ela quem colocava a xícara de café na sua frente e sabia exatamente o ponto do doce que ele gostava. Isso foi assim até os últimos dias, como uma babá que serve, limpa e segura uma criança. Ele nunca teve nenhum problema, a saúde era forte e suas mãos nunca tremeram. Ainda hoje não ousei perguntar à vó se ela fazia isso porque lhe tinha acostumado mal – e, assim, gostava – ou porque ele lhe tinha imposto tacitamente a função.
Me lembrei disso esses dias, quando eu vi uma amiga fazer isso com o namorado. Ela fazia o café pra ele, mecanicamente, serviçalmente, boçalmente. E para ele era natural ela ter esse comportamento e ainda tinha a capacidade de reclamar da casa quando ela estava desarrumada – sendo que ele não tirava nem o prato da mesa depois que comia.
Dizem que nascemos para encontrar o amor, para perdê-lo e, depois, encontrá-lo de novo. Acredito que seja assim, mesmo. Embora tenha convicção que não é por esse fato que será aceitável qualquer companhia. Pode ser que minha vó tenha sido feliz em sua ignorância, geralmente nessa condição as pessoas são mais satisfeitas. Pode ser que a amiga queira isso para si mesma. Com certeza uma companhia é melhor do que a solidão, mas não qualquer uma. A gente queimou sutiã, lutou pelo sufrágio, saiu às ruas, mas tudo isso não foi à toa. Pode ser que tenha ficado mais difícil, que em certos casos equivocados reina a extravagância chula, e que por causa disso se criem esteriótipos. Mas, assim é a história, do velho nasce o novo, pra depois envelhecer e se reinventar. Pode ser que a gente perca o rumo, sinta o vazio da lucidez, procure o amor e não encontre, se confunda, troque os pés pelas mãos e o dia pela noite – pode ser... Porém, me desculpe, Erasmo, “mas antes mal acompanhado do que só” SOMENTE se for em véspera de Natal esperando o trem das onze na estação.

Happy Valentine´s Day!!!


Lola.

Postagem coletiva para o concurso do blog Espaço Aberto.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Mas há a vida

Mas há a vida
que é para ser
intensamente vivida,
há o amor.
Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.

Clarice Lispector