sexta-feira, 28 de maio de 2010

Depois

Não carregava consigo o título de senhora empolgação. Era uma ingrata, antes de tudo. Sabia-se privilegiada pelo teto, pela comida, pelo estudo, pelos acessos, pela saúde, pelas coisas que lhe davam condições de uma vida boa. Sabia que isso não bastava, porque não era coletivo. A tristeza também fazia parte da sua felicidade, e, por vezes, a última, tímida, aparecia menos que a primeira. Mas, hoje, o dia despontou diferente. Sentiu no vento o ritmo gostoso pra embalar a manhã do sol que emergiu forte. Fechou a porta, saiu de casa, caminhou logo cedo por aquelas ruas que a tinham recebido tempos antes. Num sopro, ouviu o jovem que voltou no lugar do velho. “Se apresse, temos o amanhã para tecer, acho que ele vai ser diferente”, cochichou o moço ao ouvido. “Eu sei, acordei com essa sensação. Tenho que correr, encontrá-lo”. “Encontrar quem?”. “O sentido, o vento me indicou”.

Lola.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Ela partiu...

Lembrou daquela noite em que tinha a visto pela última vez. Lembrou que o seu toque não foi suave como costumava ser. Num momento de fúria tinha empurrado-a com força para longe de si. Agora, conseguia ver que aquele gesto guardava em si as mágoas que o tempo havia acumulado até o certeiro momento. Fazia muito frio lá fora, a casa estava cheia, as luzes apagadas, os olhares se cruzavam a todo momento, mas eles não conseguiam ler o que a íris estava a dizer. Foi aí que ela se aproximou, começou a falar-lhe ao ouvido, de um jeito manso, querendo arrancar um carinho sequer. Ele lembrou dos últimos fatos transcorridos, a mente resgatou umas verdades arranjadas, mentiras dissimuladas, e a voz suave e mole não lhe convenceu. Ela continuou sibilando ao ouvido, querendo conquistá-lo, fazendo insinuações. Ele não queria se render, sentiu, de repente, um asco e a repulsou pra longe, pegando-a pela cintura e jogando-a em cima das pessoas que estavam perto. O escuro se fez ainda mais, e a única coisa que pôde ver foi o vermelho dos olhos dele. Nada entendeu, nada escutou. Logo depois, num segundo, ele viu a porta balançar, um vulto ligeiramente sair e, dela, apenas um perfume no ar.

Lola

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Balelas

Do que você gosta? Como assim, do que eu gosto? Ah! Não sei... tô pedindo de forma geral, mas seja específica. Cara, você é estranho. Sou? É, você é muito estranho... Estranho como, explique! Você sempre aparece do nada com essa cara de perdido, mas que sabe muito bem onde quer chegar, só que você não me diz qual o lugar e vai sem mim. Você fica tentando me fazer acreditar nessas palavras que solta ao vento, no entanto, eu sei de coisas que desmentem todas essas chorumelas. Sua mãe me disse que você fala horas com ela ao telefone; comigo, nem mandava mensagem. Ué, mas o que você tá me cobrando, a gente nunca teve nada. É, eu sei que não, então pra que ficar me enchendo com suas conversinhas? Ah, agora eu é que não sei, eu gosto de você, mas... Não precisa falar mais nada, eu já entendi tudo. Entendeu tudo? Nem eu entendo... você e essa sua mania de ficar tentando adivinhar as coisas, de colocar palavras na minha boca. Tá, desculpa! Eu acho que é uma forma de defesa que eu tenho, tentar premeditar os acontecimentos pra não levar nenhum susto. Tudo bem, eu gosto de você mesmo assim. É, você gosta de mim e dos Stooges. Viu, já é alguma coisa. Eu também gosto deles, mas preferia a versão curitibana do Iggy Pop, o Oneide Deedrich... haha... lembra o show que a gente foi? Lembro, a gente ainda não se conhecia direito, eu nem gostava dos caras, mas fui por tua causa. Pois é, naquela época você ainda fazia coisas que me agradavam, me acompanhava nos lugares, não tinha vergonha, demostrava seu afeto publicamente. Eu mudei... É, eu sei que você mudou, mas certas coisas ainda continuam exatamente iguais. É? Como o quê? Como o fato de que mesmo estando com outra pessoa você não perde a oportunidade de olhar pro lado, de flertar com outras meninas, iludir, você nunca tá sozinho, mas uma companhia só não te basta, mesmo se as outras forem platônicas. Você realmente é estranho. E você leva tudo muito a sério, aliás, já disse que sonhei contigo essa noite e que você tá linda hoje. Não disse?! Viu só, fale sério comigo! Não temos mais nada! Aliás, não gosto desse seu tom de dom juan... Nossa, eu nem falei nada nesse sentido. Que sentido? Esse que você tá pensando! Tudo bem, mas daqui pra frente só me faça perguntas sobre o tempo, o trabalho, a família e... ponto! Ah, como você é exagerada. É, sou mesmo. Tá bom, se você quer assim. Quero! Ok, mas posso te pedir uma coisa? Pode! Quero te mostrar um filme que vi hoje, aquele último do Woody Allen, Tudo Pode Dar Certo. Pode? Aham!


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Do que as mulheres gostam? Nossa, acordou inspirado hoje, mas tá atrasado, a Nancy Meyer já fez um filme com esse título há quase uma década. Engraçadinha, tô falando sério, do que vocês gostam, quando tão lá, na hora H, hein? Você já foi mais sutil... Relaxa, hoje é sexta. Tá tranquilo no escritório, pega um café e me conta. Você me vem com cada conversa, por que não para de me atazanar, entre num desses blogs de aconselhamentos e troque uma ideia com outros mancebos. Ah, como você é certinha e cheia de nove horas, tô aqui tentando levar um papo bacana contigo, qual o problema da gente falar sobre isso? Você não é moderninha?! Vamos, mostre que sim e me ajude a te entender, ops, digo... entender vocês. Olha, pra você não ficar falando besteira, vou te dizer... a gente gosta de homens sensíveis, que vão com calma, mas que tenham pegada. Nada de trogloditas apressadinhos. Ihh... vocês e essas conversinhas moles, esses papinhos furados. Ei!!! Calma aí, sabichão. Você me pediu e eu tava respondendo... quer saber, vai dormir!!! Ai, que dodóizinho que você é. Não é isso, mas você que pediu, então por que não escuta? Tá bom, tá bom, continue... Somos como vocês, também queremos sentir prazer, mas é muito mais difícil, mais complexo, mais trabalhoso, por isso que o homem tem que prestar atenção, ter sensibilidade, ser paciente e incisivo. Nossa, falou, falou, falou e não disse nada objetivo. E quem disse que somos objetivas? Ué, tem mulheres que são... É verdade, tem mulheres que são mais fáceis de se entender, mais certeiras, afinal não nascemos de uma única receita. Então fale por você, você que é complicadinha e nhé nhé nhé. Ai, como eu te odeio! Pra uma pergunta evasiva, uma resposta no mesmo tom... Tá, vou ser mais preciso, fale de você. Eu já falei! Posso te dizer uma coisa? Você tem cara de quem usa lingerie branca, com lacinho, mas que... Hahaha, você me mata! Você não sabe nada de mim e... me faz um favor?! Vá trabalhar!!!! Tudo bem, mas, então antes me diga, é preta??
Lola.