quinta-feira, 29 de abril de 2010

Papo entre amigos

Bons amigos, um homem e uma mulher - com uma leve antipatia física um pelo outro - conversam sobre a vida amorosa enquanto esperam uma bebida:

- Não vou namorar com ela...
- Mas você não está me dizendo que gosta dela?
- Gosto... Mas ela não é para namorar.
- Como assim?
- Ah, já foi comigo de primeira e com outros que eu conheço!
- E?
- Como e?
- E?
- Você sabe que não tem jeito. Eu penso em casamento!
- Sinceramente, acho que é o único jeito! Não faz sentido você...
- Claro que faz! Há mulheres para namorar e para ficar. Ela é do segundo tipo.
- Aham... Daí o casamento termina porque a mulher não dá! Um brinde à sua ignorância!
- Sim, e ao seu otimismo!

L.
PS:Só os bons amigos podem brindar - sem brigar - à diversidade de pensamentos.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

O fato é que

Todas as vezes que quero muito te falar e não consigo acontece algo. Não são as mil possibilidades do teu não, apenas. Geralmente uns fantasmas me assombram à porta, mas não é somente isso. É meu inconformismo, gritante, dessa minha ansiedade frouxa.
Incomoda-me o fato de que toda vez que tenho algo importante a te dizer, não me atendas. E depois, quando vens a me apresentar desculpas, elas não sejam mais necessárias (na verdade, em momento algum são). O momento passou.
Incomoda-me, sobretudo, o fato de querer te falar a toda hora, como se a voz aplacasse a ausência. E nessa espera rota, ter como resposta não uma voz, mas uma chamada quem me diz irritantemente: NÃO, NÃO, NÃO.
Mas o que mais me irrita, e de longe é o mais desesperador, é o fato de que te falar é uma necessidade minha e que tua voz, quando presente, me conforta sim, mas não é para sempre.
O fato é que eu, sempre errante, preciso aprender a lidar com meus assombros, com a ausência, com o vazio. Sozinha. Não quero dividir com ninguém o peso dos meus dias, o peso de qualquer coisa que me quebra, qualquer coisa que me trinca, qualquer coisa de angústia. Algo que me pesa e que nem deveria existir, mas, existindo, só a mim deve pesar, a mais ninguém.
Sozinha, hei de aprender a tua mansidão, a tua calma, a tua avidez de procurar sentido às coisas, quando todo o resto não tem mais sentido. Tudo o que mais me encanta.
Não quero criar a expectativa do todo dia, se o todo dia, a mim e a ti, não é possível. Não quero me entregar a espera doente do todo dia se, igualmente doente, depois virá o toda hora e toda hora, igualmente, não será possível.
Quero me curar para que, uma vez curada, livre e inteira, eu seja tua. E não um punhado de ausência.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

O amor não existe

Não existe. O que tanto a jovem procurou simplesmente não existe. Buscou em cada pessoa, em cada atitude, instituição, profissão, debaixo da cama, dentro do armário, atrás das portas, nas janelas, nas danceterias, nos barzinhos, nas festas, nos churrascos, na internet, na prosa e na poesia. “Se eu fosse o amor, onde me esconderia?”, questionou.

Procurou-o nas flores, mas só encontrou beleza e perfume. Foi às músicas e ouviu lamentações. No vento encontrou o arrepio e o som. Na chuva molhou-se e não sentiu o amor. Nos homens encontrou o prazer. Nas amigas, a cumplicidade. Na família, o apoio. Nas pessoas, a mágoa. No tempo, a saudade. Na morte, o descanso. Nas crianças, os sonhos. Nos amantes, o desejo. Mas em nenhum lugar encontrou o amor.

Conheceu alguém e sentiu admiração. Mais um tempo e sentiu amizade, foi sua cúmplice. Semanas depois, paixão. Respeitou suas ideias, ainda que discordasse de algumas. Sonharam juntos. Conheceu sua beleza, seu perfume, sentiu saudades, ouviu suas lamentações, sentiu arrepios, desejo, prazer, magoou-se. Na morte de tudo aquilo, o descanso da procura incessante.

Nunca o amou. Viveram, sim, um conjunto de experiências e sentimentos. Mas o tal amor, este ela nunca sentiu. Nunca o entendeu.

“O amor não existe”, concluiu e pela primeira vez dormiu em paz.

Lily Braun

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Apropriação pessimista

Desamar

Que faz uma criatura,
uma vez entre criaturas, desamar?
Amar e depois esquecer
Malamar e desamar
Amar, titubear e, como se fosse de repente, desamar?
Assim, com olhos pálidos, desamar?

Que pode o ser amoroso
Querer estar sozinho na roda da vida
Para encontrar outro ser
E quem sabe chegar ao mesmo desamor de agora?
Desamar o que a rotina traz aos dias,
O que sepulta o amor, o que arrefece o sentimento?
É sal, é azedo, é amargo, qual o gosto do desamor?

Desamar gradativamente a companhia
O que era confiança cega e adoração sem dó
Desamar o que era doce, de cor
Triste a paisagem, bruto o sentimento
Uma boca que não diz mais nada, desmonte de cenário

Este é nosso destino: amar demais
Amor que diante das coisas vazias
Se esvazia de si mesmo
Para recomeçar a procura medrosa
E paciente de outro amor

Desamar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
desamar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Lígia, pessimista.

[O original é encontrado aqui]

terça-feira, 20 de abril de 2010

Mario Benedetti




Hoje eu revi uma poesia que me fez lembrar porque eu gosto tanto deste autor latino americano e uruguaio. Sua sensibilidade frente ao sentimento humano, falando de forma simples sobre uma existência tão complexa e, acima de tudo, sendo um homem consciente e comprometido com os desafios do tempo que lhe coube e deixando um legado para os que viriam, fez com que me apaixonasse sem exitar.
Meu novo companheiro de estrada chama-se Mario Benedetti e faço isso não por banalidade, mas para que eu me lembre e repita em pensamento seus escritos nas curvas dessa vida.
Devido à minha procrastinação literária li somente há pouco tempo atrás o seu romance mais famoso, “A Trégua”. Nele, Benedetti traz a nós, em forma de um diário, a vida de Martín Santomé, que já se vai ladeira abaixo, como diz o próprio personagem. Com 50 anos ele espera a aposentadoria ansiosamente, para poder desfrutar do tão esperado ócio. Empregado de departamento de contabilidade, seu maior prazer no trabalho é a rotina, porque lhe permite viajar mesmo exercendo suas funções. De outro modo, teria que se concentrar naquilo que estava fazendo, assim, pode ocupar sua cabeça com seus devaneios, mesmo no exercício de suas atividades.
Tem poucas aspirações até o dia em que se descobre envolvido por uma jovem estagiária, com idade para ser sua filha. Depois disso, pra mim, vem a melhor parte do livro, onde reflete sobre o tempo, a idade, o tempo passado e o tempo futuro, sobre a vida, enfim. Tomei o cuidado para ler cada trecho vagarosamente, para degustar cada palavra e não perder o sentido das orações.
Este romance teve mais de uma centena de edições traduzidas em 19 idiomas e levada ao cinema, ao teatro, ao rádio e à televisão. De forma bela e simples ele mostra "como um grande amor pode ser uma trégua na vida".

Lola.

A poesia que revi:

Tática e estratégia

(Mario Benedetti)

Minha tática é
olhar-te
aprender como tu és
querer-te como tu és

minha tática é
falar-te
e escutar-te
construir com palavras
uma ponte indestrutível

minha tática é
ficar em tua lembrança
não sei como nem sei
com que pretexto
porém ficar em ti

minha tática é
ser franco
e saber que tu és franca
e que não nos vendemos
simulados
para que entre os dois

não haja cortinas
nem abismos

minha estratégia é
em outras palavras
mais profunda e mais
simples
minha estratégia é
que um dia qualquer
não sei como nem sei
com que pretexto
por fim me necessites.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Sui

"Pouco a pouco,
Sem que qualquer cousa me falte,
Sem que qualquer cousa me sobre,
Sem que qualquer cousa esteja exatamente em qualquer posição,

Vou andando parado,
Vou vivendo morrendo,
Vou sendo eu através de uma quantidade de gente sem ser.

Vou sendo tudo menos eu.
Acabei.
[...]"

Morria lentamente à medida que o sol ia do Leste ao Oeste, não só pela contagem cronológica, mas porque se matava em gotas que engolia por querer e outras forçadas goela adentro. Morria lentamente no trabalho, onde o produto do seu esforço não lhe cabia, produzia por obrigação de sobrevivência, morria porque não se reconhecia naquilo. Fenecia pelos sonhos que abafava no clarear do dia, pela sua covardia, pelo seu comodismo, pelo sentimento de mãos presas e boca cerrada. Se matava pelas suas escolhas, pela própria falta de escolha, pelo vazio que sentia, pelo que a solidão lhe impelia a fazer. Morria lentamente pela falta de força, pelo arrefecimento de suas convicções, por sentir-se solitária, pela falta de comparsa. Acabava-se de domingo a domingo na rotina de levantar, comer, trabalhar, cansar, repor energias e voltar ao começo de tudo aquilo. Morria, talvez, por não acreditar em si mesma, por duvidar de tudo, por não transformar o que sabia que estava errado. Ia morrendo um pedaço seu a cada céu que não olhava, a cada barbárie ignorada, a cada injustiça tratada como natural. Isto era, também, uma forma de suicídio, porque dava a morte a si própria.

Lola.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Psicológica

A menstruação atrasou.
- Culpa dos remédios que você tomou para a garganta – alguém disse.
De fato, havia tomado muita coisa. Mas, como quem tem cu tem medo, a possibilidade lhe rondou.
Pensou em como a vida mudaria e a cabeça rodava, mil rotações por minuto. Comunicou o namorado, pensou nas roupas, no dinheiro gasto com algodão e fraldas. “O algodão anda caríssimo!”.
Sentiu uma colicazinha, prenúncio do rio vermelho mensal. Nada de descer.
- Deve ser o estresse. Você anda meio esquisita mesmo.
De fato, o mundo estava ao contrário, tudo de cabeça para baixo. Mas não. Pensou no batizado, em quem seria convocada para a madrinha. Pensou no seu pai, ele jamais olharia na sua cara.
Contou à mãe, que fez escândalo e depois lhe receitou chás para acelerar a descida. Sem rampas, sem degraus. A situação continuava irredutivelmente reta. Nada de descer.
Fez teste de farmácia. Cinco minutos, os piores, no frio da madrugada. Pensou na criança indo à escola, queria uma menina, mas meninas menstruam. Ou não menstruam.
Preocupou-se tanto que vomitou. “Ai, o enjoo! Prenúncio de um ser”. O exame deu negativo. Mas embrulhou-se tanto o dia todo... A dúvida.
- É nada, é o estresse!
Às favas com o estresse. Pensou na licença maternidade, no seu pai que não lhe dirigiria a palavra, a mãe, que se intrometeria na educação do filhote. Mas quem para madrinha?
Fez o exame de sangue. As veias sumiram todas, pareciam borrar-se de medo. O enfermeiro entrou e disse contente: “então, vamos ver se tem neném aí?”
Queria matá-lo. Pensou nas gangorras emocionais das grávidas. “É isso, estou prenha!”
Pensou no colégio da criança, uma fortuna nos dias de hoje. Pensou na educação sexual, nas perguntas, nas roupas. As roupas infantis, um assalto.
- Você está tudo, menos grávida – era o que o teste parecia dizer.
As cegonhas dissiparam-se da sua cabeça.
Contudo, era necessário se pensar que a menstruação ainda não descera. Grávida não, mas vai que tinha outra coisa? Marcou consulta na ginecologista e pensou nos remédios, nos hormônios, das doenças malignas...

[continua]

quarta-feira, 7 de abril de 2010

A fragilidade humana

Uma das coisas que mais me comovem, sem par, é o sofrimento do ser injustiçado. Não que seja justo sofrer, mesmo que para alguns certas dores tenham ar de castigo. Tenho dó do ser que, sem ter a chance de se defender, sofre. Daquele que pelo sexo, cor, classe ou qualquer outro critério de discriminação carrega nos ombros o peso de ser frágil.
Dói-me, por exemplo, ver mulher sendo agredida, criança estuprada, pobre sendo cuspido, ou qualquer outro ser sendo rechaçado. Por nenhum motivo, por sentimento torpe, por causa vã.
Não é raiva, não é desprezo, não é inconformismo que eu sinto. É dor.
Eu choro com pouco, bem pouco. Choro por eu mesma ser vulnerável, às vezes. Já verti lágrimas por me deparar com a fraqueza do ser humano, por prever a tragédia anunciada e, mesmo assim, encontrarmo-nos, todos nós, com as mãos atadas.
Dói-me, sobretudo, a violência gratuita. A violência enraizada no medo da vida que se expressa em doses de exaltação, de ira contra os demais, contra aqueles que não lhe fizeram nada, mas por serem mais frágeis, são alvo de um incontrolável desejo de poder.
Quem muito mal faz ao outro, vai saber, bebeu da mesma água amarga. Ou nunca foi pego no colo.

Lígia

O quarto mês

Numa manhã de abril
Para evitar a rima
Ninguém lhe sorriu
Nenhuma folha caiu
Nenhuma mulher pariu

Mas quando quer,
Menina vira mulher
Vê poesia até em manhã fria
Num dia qualquer de abril
No qual ninguém lhe sorriu

Lily Braun (com a cabeça repleta de rimas pobres e nem um pouco nobres)

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Desejo

Observou a criança que pediu o doce à mãe tão logo o vendedor virou a esquina.
Seus olhos brilhavam e ainda assim ela disse não. Com a negativa, a criança chorou um choro quieto, sentido, ferida na alma pelo pedido que não seria atendido.
A mãe percebeu a comoção, que não era uma birra qualquer e sinalizou para que o homem se aproximasse. A pequena sorriu, ainda chorando, com a emoção profunda de quem deseja algo e pode, enfim, tê-lo em mãos. Ela escolheu cada detalhe, a cobertura, o recheio. A criança observou a guloseima em sua mão, cheirou, sentiu o prazer de possuí-la. Tocou-a sem coragem de destruí-la. Enfim, a abocanhou. Degustou sem pressa, lambusou-se, saciou-se e lambeu os dedos com grande satisfação.

A mulher percebeu a diferença entre querer e desejar. Tem-se vontade de um doce. Sente-se desejo por aquele doce. A satisfação para a vontade está ao alcance das mãos. O desejo só morre quando se tem o objeto desejado em mãos.

Pensou em si mesma, pensou nele, no quanto o desejava. Desejava a ponto de perceber que sua alma chorava um choro quieto de saudade e vontade insaciável. Imaginou-o em suas mãos. Olharia-o nos olhos, nas pernas, costas, barriga, pés. Examinaria cada detalhe, saberia qual era sua composição. Queria conhecer seu odor e textura. O cheiraria e tocaria em cada milímetro. Por um momento a fumaça que pairava no ar ganhou o cheiro que ela imaginava sentir. Teve água na boca. Imaginou-se mordendo-o, provando-o. Saboreava em seu devaneio a pele suada, sua cobertura, seu recheio.

E o dia ensolarado que brilhava em torno dela tornou-se chuvoso em suas entranhas, o que a fez desejá-lo ainda mais.

Lily Braun