quinta-feira, 25 de março de 2010

De se jogar

O tempo corre demais pra ela ficar escondida. Ela quer é cantar pra todo mundo ouvir. Quer andar encima do meio fio na rua, só pra tirar graça de si mesma. Quer escutar música no último volume. Quer dançar esquisito de olhos fechados. Ela quer é tomar banho de chuva quando volta pra casa. Quer ver todos os filmes de amor e gravar todos os poemas na memória. Ela quer é poder escrever poesia, um dia, pra pessoa amada por pura vontade de se dizer contente. Ela quer é andar naquela praia deserta em companhia do vento. Ela quer é dar bandeira, falar de quem gosta e se jogar no ar.

Lola.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Deste sol

A gota de suor escorria pela têmpora até a barba hirsuta e amarelada. Para ele, o céu azul não remetia a lembranças leves, muito menos de baunilha. O vento que soprava devagar, não amenizava o calor do sol queimando o rosto desprotegido. Do alto do andaime daquele prédio, só olhava para cima na tentativa de enxergar a estrela batendo no ponteiro alto do relógio. Subia e descia seis vezes por dia, o trabalho era chapiscar aqueles tijolos com massa de concreto. Na viagem do meio, era o tempo que tinha para amenizar um pouco do calor com o arroz e feijão frio que engolia. O preparo anterior era feito por ele mesmo, a mulher também era escrava do tempo e, na corrida, não lhe dava beijos de hortelã. Depois do intervalo do meio dia, voltava à rotina do andaime, da pá e do cimento. O esforço manual até deixava um curto espaço para a mente viajar, mas debaixo daquele sol ela não ia muito longe. Parecia que a cada pá de cimento jogada contra parede, ele aterrava o dia, o mês, a vida. O cimento que ele deixava naquela parede que nunca seria a sua casa, fazia com que ele próprio endurecesse. À noite chegava em casa, tomava um banho gelado e deitava no sofá em frente à tv. Daquela tela via moças e rapazes bonitos, senhoras e senhores muito bem alinhados, praias, piscinas, ar condicionado, limonada suíça. Absorto por aquelas imagens que refletiam tudo, menos a sua vida, adormecia... No dia seguinte, ainda madrugada, descia pedalando pela rua rumo ao céu. O sol já começava a despontar e ele nem sequer percebera que, na véspera, mais um verão havia terminado.

Lola.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Breve suspiro

Quero mãos, beijos, língua, tesão.
Quero uma vida contada em pontos de exclamação.

Lily Braun

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Eu sempre achei que os versos fossem pra mim. Que o desejo fosse pra mim. Que olhos, suspiros... a boca!! Eu sempre achei que as palavras que saim daquela boca fossem pra mim. Um dia olhei uma foto e não era eu. Aquele cabelo não era meu (tosco). Aquela boca (torta), não era minha. Nunca mais empresto meu vestido, ele fica melhor nela do que em mim. Nunca mais darei o fora em mim mesma, porque talvez eu quisesse ficar e nem me dei a chance.

ps. Desculpe, Lily, por pegar o seu post emprestado. Prometo devolvê-lo da próxima vez.

Lola.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Já ganhou sua rosa hoje?

Há muito tempo acho que o Dia Internacional da Mulher é uma data que não me representa. Talvez porque o caráter das homenagens tenha qualquer coisa que não me traduz. Eu juro que se eu ouvir mais uma vez algo que me compare com flores, rainha ou que mencione a frase “ocupando seu espaço” colocarei para fora minhas náuseas.
Em meados de março, estamos sempre lembrando que as mulheres estão apanhando mais, dirigindo mais, conquistando mais vagas de emprego (mesmo com menores salários). Ó, vitória.
Mas descobrimos que o preconceito ainda existe. Por outra ótica, pode ser que dizer que o lugar de mulher é em casa não se trata de preconceito. É vontade mesmo. Três entre quatro mulheres que eu conheço não ligariam de não ter que trabalhar, desde que tivessem uma vida de madame. E a quarta mulher titubeia ao responder a pergunta.
As anteriores queimaram tanto sutiã para sair de casa, “ocupar seu espaço” e para quê? Para as de hoje olharem para isso e perceberem que trabalhar fora pode não ser tão bom. Lutaram tanto para quê, amigas do século 20? Por que trabalhar fora era proibido, não era tão comum? Aguenta o tranco e volta aqui agora, filha, para bater cartão todo dia às 8 da manhã e ainda chegar em casa a tempo de preparar o jantar. Afinal, o que mudou, mesmo?
Queriam tanto poder dirigir, as antigas. E as de hoje têm de ouvir (de bocas femininas) que mulher não dirige mesmo bem. Uma época atrás e mulher nem votava. Hoje votam sim, há tempos, na verdade. Mas não votam em outras mulheres. Quanto tempo levará para que as coisas realmente mudem? O que precisa acontecer para que a postura feminina deixe de ser frágil diante da opinião conservadora e machista que domina a sociedade?
Somos mulheres, ora. Queremos tudo. E nada. Carregamos uma mistura explosiva de sentimentos em um olhar. A relação com outra mulher é a mais frágil possível. Mulher não gosta ou desgosta, simples assim. À outra mulher podem ser reservados o ódio e o amor pulsante, existindo uma escala de 20 mil pontos entre essas duas possibilidades. Na relação frágil entre duas mulheres, é possível que as duas percorram a ponta do amor e a do ódio em frações de segundos. E a competição está sempre presente, mesmo sendo as duas rivais amigas, mãe e filha, irmãs. Guerra e paz.
Talvez seja a necessidade constante de estar provando para alguém que se é, apesar de mulher. Que se é competente, que se é multifuncional. Provar para alguém, não se sabe direito o que, por quê nem para quem.
O cérebro feminino, essa bomba relógio cor-de-rosa, ultrapassa qualquer tentativa de explicação. É por isso que eu me contradizo agora e, vá lá, te desejo um feliz dia da mulher. Um dia alguma descendente das que hoje comemoram exija que a data seja derrubada. Por descobrir, enfim, que não há motivo para existir um dia para se lembrar da mulher. A peleia é todo dia.

Lígia.

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Di Cavalcanti: Mulheres protestando

Qual desafio?

O desafio é reinventar o momento; abrir portas e janelas, deixar o vento circular leve. O desafio é não se deixar levar pela conversa vazia, preconceituosa, produtora de arquétipos. O desafio é tapear o tempo e não enxergar somente o próprio olhar, não com tantos outros olhos querendo se encontrar. O desafio é não tornar o cotidiano, a rotina, uma desculpa para se afastar, quando é tão imprescindível achegar. O desafio é seguir, quando um pequeno grupo, desenhado maior, quer regredir. O desafio é enfrentar esse gigante inventado e ser uma multidão para vencer o dito invencível. Enquanto mulher, o desafio é lutar, sempre! E entender, que mesmo sendo Maria, Joana, Carolina, Luiza, o enfrentamento também sintetiza a luta de todos, trabalhadores, homens, crianças, negros, amarelos, desempregados, que se juntam... O desafio é encontrar o que une e continuar a busca por um mundo em que não se precise de um dia para lembrar que somos mulheres, que somos trabalhadoras, estudantes, sonhadoras. Em que seja possível o homem, enquanto espécie, desenvolver todas as suas potencialidades, livre e humanizado.

Lola.

sábado, 6 de março de 2010

Vigor

Desejava o gosto dele, aquele cheiro, o cheiro de nicotina e perfume que só ele tinha, o perfume misturado ao suor depois do sexo. Fatigados na cama, queria o olhar complacente, depois do gozo, depois de serem uma explosão de gemidos e saliva.
Queria passar a língua nos seus lábios, beijar a boca, como se a devorá-lo. Percorrer o pescoço, a orelha. Rolar na cama, os dois grudados, roçando os pés nas pernas, as coxas no sexo. Morder, apertar o corpo rijo dele contra o dela. E ao senti-lo entrar, ser. Completa.

L.

quinta-feira, 4 de março de 2010

A metamorfose frustrada

“Assim como Brad Pitt está com Angelina Jolie, nenhum príncipe há de querer uma plebéia”, pensou. E então, como disse o personagem de uma peça que assistiu, aceitou se esconder da chuva no galinheiro, mesmo sabendo que se andasse um pouco mais poderia encontrar um palácio de cristal. Eles se divertiam quando estavam juntos e nada mais. Nem bom de cama ele era. Ainda assim, ele não ligava, a fazia sofrer.

Anastácia - tinha nome de princesa e nada mais. Não tinha modos delicados, exagerados até. Seu riso não era doce, era natural. Suas unhas nem sempre estavam bem feitas e nos dias mais corridos não usava mais do que um batom. Costumava assistir aos romances e andava um tanto chorona. Viu todos estes defeitos e pensou que embora ele fosse um sapo que jamais viraria príncipe, o jeito era continuar no galinheiro, ainda que sofrendo, ainda que mal comida, afinal, não era ela nenhuma princesa.

De repente imaginou-se homem. Seria bonito, cheiroso, bem arrumado. Seria romântico. Mandaria flores. Faria surpresas. Imaginou-se esperando a mulher amada do lado de fora de sua casa, com uma rosa roubada de um jardim qualquer. A tiraria da cama no meio da noite para ver a lua. Tomariam banho de chuva. Estariam conversando por telefone numa noite qualquer e ela se assustaria com uma barata. Minutos depois ele apareceria charmoso e dedicado em sua porta para aniquilar o inseto e de quebra mimar a namorada. Cantaria para ela e dançariam the way you look tonight numa praça qualquer. Talvez ela não fosse muito bonita, mas seria inteligente. Ah! Como ele seria feliz por estar com alguém que soubesse lhe fazer rir, que tomasse cerveja, fosse com ele ao futebol e de quebra ainda fosse boa de cama. Ah, quase perfeito! Ele seria uma vingança contra o universo masculino insensível!

Então pensou que se fosse homem, na verdade, gostaria de ser totalmente o oposto. Continuaria sendo bonito, cheiroso e bem arrumado. Mas seria sacana. Coçaria o saco se lhe desse vontade. Ia gostar de música sertaneja para não ficar fora da moda e saberia dançar bem. Um sedutor - papo, olhar e sorriso que arrepiariam qualquer mulher. Andaria de carro, cheio de charme. Continuaria detestando estampas de animais. Se cruzasse com uma mulher vestindo uma peça de oncinha iria por a cabeça para fora e rosnar bem alto, a faria sentir vergonha por ter algo assim. Comeria todas e não ligaria no dia seguinte. “Solteiro, sim! Sozinho, nunca” - seria o seu lema. Iria sozinho às festas, sairia sempre acompanhado.

Dormiu pensando em como se chamaria se fosse homem. Que nome combinaria com seu estilo pegador?

Para sua surpresa, acordou homem. Era lindo! Olhou-se no espelho, totalmente nu. “Homem, sou homem!” - surpreendeu-se, tocou-se, apaixonou-se por si mesmo. Abriu o guarda-roupas e viu que tinha bom gosto, bons perfumes. Saiu de casa e foi para o trabalho. Chegando lá, foi chamado ao escritório do chefe. “Aquele gostoso!”, pensou. Era homem e deduziu que aquela exclamação mental seria algum resquício de sua alma feminina. Entrou na sala e o homem veio para cima dele. Não fugiu. Então, percebeu a realidade: era gay! Sim, gay! Passivo, ainda por cima! O chefe o comeu e mandou sair. Não ligou durante a noite e ele sentiu-se mais sozinho do que nunca.

Tentou dormir, queria voltar a ser mulher! Afinal, se é para gostar de homens, sejamos convencionais. Concluiu que sendo mulher o mundo era menos difícil e mijar em pé nem é tanta vantagem!

Um abraço,

Lily Braun, um tanto fatigada do universo feminino.