sexta-feira, 11 de junho de 2010

Meu jeito de dizer que te amo* - Dia 12 do que, mesmo?

Hoje a mãe diz que sente muita saudade do pai dela. Eu não sinto saudade, mas tenho boas lembranças, acho que não tanto por ele, mas pelo sítio que lhe pertencia. Lá eu passei aquela boa fase da vida em que tudo se resume a tardes de sol e traquinagens de criança. Quanto ao vô, as imagens da parede das memórias são poucas, mas nítidas. Ele sentado na varanda picando o fumo de corda para desfrutar do próprio cigarro antes do almoço; ele pedindo a algum neto que fosse até a pipa buscar um copo de vinho para tomar enquanto comia; dele sentado embaixo da mangueira depois de ter tirado a sesta.
Lá ele ficava até escurecer com o olhar perdido no campo de milho à frente. Eu lançava teorias ao vento tentando imaginar que diabos aquele vô tanto matutava. Se fosse hoje, eu entenderia o poder que a gente tem de se perder em pensamentos. A vó é viva ainda, tem lá seus oitenta e poucos. Me lembro que no dia do velório do marido ela chorou copiosamente, desconsolada, perdida. Eu não imaginava que depois de tanto tempo ela ainda teria tantas lágrimas pra derramar por aquele homem. Mais difícil ainda era entender a dedicação que lhe destinava - nunca soube se por opção ou obrigação.
O vô sentava-se à mesa quando ela já estava posta e ele era exclusivamente o primeiro a ter a comida no prato. Sim, não disse que ele era sempre o primeiro a servir-se, porque era a vó quem arrumava sua comida. Era ela quem colocava a xícara de café na sua frente e sabia exatamente o ponto do doce que ele gostava. Isso foi assim até os últimos dias, como uma babá que serve, limpa e segura uma criança. Ele nunca teve nenhum problema, a saúde era forte e suas mãos nunca tremeram. Ainda hoje não ousei perguntar à vó se ela fazia isso porque lhe tinha acostumado mal – e, assim, gostava – ou porque ele lhe tinha imposto tacitamente a função.
Me lembrei disso esses dias, quando eu vi uma amiga fazer isso com o namorado. Ela fazia o café pra ele, mecanicamente, serviçalmente, boçalmente. E para ele era natural ela ter esse comportamento e ainda tinha a capacidade de reclamar da casa quando ela estava desarrumada – sendo que ele não tirava nem o prato da mesa depois que comia.
Dizem que nascemos para encontrar o amor, para perdê-lo e, depois, encontrá-lo de novo. Acredito que seja assim, mesmo. Embora tenha convicção que não é por esse fato que será aceitável qualquer companhia. Pode ser que minha vó tenha sido feliz em sua ignorância, geralmente nessa condição as pessoas são mais satisfeitas. Pode ser que a amiga queira isso para si mesma. Com certeza uma companhia é melhor do que a solidão, mas não qualquer uma. A gente queimou sutiã, lutou pelo sufrágio, saiu às ruas, mas tudo isso não foi à toa. Pode ser que tenha ficado mais difícil, que em certos casos equivocados reina a extravagância chula, e que por causa disso se criem esteriótipos. Mas, assim é a história, do velho nasce o novo, pra depois envelhecer e se reinventar. Pode ser que a gente perca o rumo, sinta o vazio da lucidez, procure o amor e não encontre, se confunda, troque os pés pelas mãos e o dia pela noite – pode ser... Porém, me desculpe, Erasmo, “mas antes mal acompanhado do que só” SOMENTE se for em véspera de Natal esperando o trem das onze na estação.

Happy Valentine´s Day!!!


Lola.

Postagem coletiva para o concurso do blog Espaço Aberto.

18 comentários:

Mulheres de Atenas disse...

Todos os dias, de segunda a sexta, às 16h35, minha mãe coloca água para ferver porque o pai chega às 17h e tomam café juntos... Também acho mecânico. Às vezes acho que ela não gosta. O meu pai, sempre que viaja, traz um doce para a minha mãe... Prefiro não racionalizar! Acho até bonito o cuidado deles, embora sempre ache que um abusa do outro em várias ocasiões.
Sinceramente, não quero ser iguais a eles. Ainda não quero casar, mas um namorado ia bem, muito bem...

Hod disse...

Muito boa sua participação Lola.

Feliz dia dos namorados.

Forte abraço.

Ester disse...

Um amor as avessas, bem original, ao seu jeito!
Mas por trás do discurso senti que há esperança de encontrar aquele que fará o coração bater mais forte,
mas uma coisa é certa, vc não deixa dúvidas de que pode bem representar a mulher moderna que não vê no casamento o único caminho para mulher ser feliz, como pensam sua avó e mãe,
interessante a suas reflexões, lúcida e sem meias palavras,
gostei.
Abraços da
Ester.

Kelly Kobor Dias disse...

Que lindo seu texto, excelente forma de expressar o amor. Parabéns

Anônimo disse...

Agradecemos a sua participação em nosso 1º Concurso Literário!
Sua postagem já está concorrendo! Desejamos boa sorte!
Um abraço carinhoso

Eu disse...

Um desabafo de alma e coração...

Gostei da sua participação, bem diferente das que li no Concurso.

Um abraço carinhoso

Majoli disse...

Um jeito diferente, mas especial de participar, gostei muito.

Um texto que nos toca.

Beijos e parabéns.

Sandra disse...

O amor, quando vem pra valer, acaba com toda rotina e cada dia é um milagre.

Obrigada por participar com a gente!
Beijo grande!

Elcio Tuiribepi disse...

Oi...pasando para conhecer seu blog e sua participação...você abordou um lado da questão que talvez você só tenha conehcimento teórico por presenciar esse cotidiano de seus avóes e pais...mas você não deixa de ter razão em alguns pontos, pois estes gestos podem sim ser mecãnicos, ou não...para dizer isso ´so você mesmo que presencia a viv~encia deles...
Mas daí você pode ter certeza que a vida nos leva empurra um pouco para isso...potanto tente fazer diferente...não é fácil...
Obrigado por sua participação, com certeza ela somou muito, pois mostra o outro lado da coisa...
Um abraço na alma...beijo....valeuuu

Unknown disse...

Ave Marilia, Vieira arrombada. Venha a nos o teu peito torto, siliconado.
Ave Marilia, Vieira arrombada. Venha a nos os SPAMS diários, perdoai-nos as broxadas, mas tu é feia pra caralho ahuahuahuahuahua
Feliz dia dos namorados, gactha ahuahuahua

Mulheres de Atenas disse...

a avó, sempre a sua melhor inspiração.

Deia disse...

Lola, não tinha parado para pensar nessas coisas. Fazemos por que amamos, por que não pensamos, por que nos ensinaram que é assim que se deve fazer? Não sei lhe responder - e fiquei agora com uma pulga atrás da orelha. O motivo, você já deve ter adivinhado: também o faço, igual à sua avó! Ham... Um beijo, Deia

✿ Regiane ✿ disse...

Uma postagem original e verdadeira.
Parabéns pela participação.
Tenha uma semana especial.
Com carinho, Lady.

Flávia disse...

Hummm, há algum tempo eu pensava dessa forma também. Achava horrível o fato das mulheres se submeterem aos homens e até me revoltava com elas, citando também os sutiã queimados em nome da nossa liberdade.
Depois amadureci um pouco e, conversando com algumas mulheres, me surpreendi ao ouvir que, embora mecânico, também lhes era prazeiroso, já que era o mínimo que podiam fazer por aquele que estava a seu lado, apesar de todas as mazelas.
Desisti de entender, mas passei a admirar essa geração mais antiga que, apesar de tudo isso, vive relações duradouras.
Nossa geração não tolera tanto e talvez por isso, tantos casamentos acabam.
Por via das dúvidas, estou solteira. Acho mais seguro! rsrs
Bonito texto!!
Beijão

BelaCavalcanti disse...

Poucas vezes vi algo tao lindo. Parabéns Lola pela linda homenagem. Quanto a "Plinio", um pouco mais de educaçao nao lhe faria nada mal. Nem todo mundo consegue comer vieira, querido... É de tao, algo para paladar mais refinado. Vê-se bem que nao é o seu.

Anônimo disse...

Olá Lola,

Amor antigo. Ainda tenho a sorte de presenciar no meu dia-a-dia, meus velhos pais, 61 anos de união, ele com 81 e ela com 80. Mas cumplices em tudo que fazem.
Linda história, Parabéns!

Beijão!

Johnny

Andreia Alves disse...

Olá querida,
talves sua vó fizesse por amor ou até mesmo por companheirismo.
O que já não acontece nos dias de hoje, no tempo de nossos avós o amor era mais duradouro e mesmo quando chegava ao fim, os casais continuavam juntos e até dormiam em camas separadas, mas se fazia presente o carinho, o respeito, a amizade, o reconhecimento de um amor e uma vivência.
Acho tão lindo quando encontro um casalzinho de velhinhos que estão juntos a mais tempo que eu possa imaginar!
Nossa sociedade foi e continua sendo patriarcal, hoje muitas mulheres ainda se submetem ao homem, porém por opção própria.
Não somos mais obrigadas a sermos servis e a verdade é que muita mulher gosta, porque não é possível que com tantas mudanças e leis a nosso favor, ainda se submetam.
E muitas preferem se submeter a ficar sozinha, é uma escolha e que infelizmente reflete em todas nós.
belíssima tua participação.
Terno beijo

Lucemary disse...

Amei o seu texto.
E entre tantas coisas que podia comentar, vi que o que me motivou foi o que motivou todos os outros comentários...
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"Ela fazia o café pra ele, mecanicamente, serviçalmente, boçalmente."
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Por muito tempo levantei bandeiras, lembrei de conquistas e sutiãs queimados, e me revoltava ao ver alguém fazendo isto - até o dia em que abrandei meu coração e percebi que se pode fazer isto simplesmente por amor - não aquele amor passional e dramático, mas um amor construído de parceria e cumplicidade. Pode-se servir alguém porque nos dá prazer pequenos gestos que não custam nada e fazem o outro feliz, da mesma forma com que fazemos mamadeira e papinha para os filhos, e continuamos a fazer para eles os pratos preferidos quando crescem. É apenas um gesto de carinho, uma demonstração de afeto. Claro que pode, no caso de nossas avós, ter sido apenas falta de opção. Mas acredito que talvez nem por isto elas tenham sido menos felizes: não nos angustia o que não conhecemos, e se elas se habituaram a isto...
minha mãe tinha prazer em fazer as coisas pro meu pai, principalmente nos seus últimos anos de vida. Eu brigava porque queria que ele fosse menos manhoso, ela mais livre, e os dois mais felizes. Hoje, quase três anos após sua morte, ela ainda sente falta de cuidar dele.
Acho que o que a Sanzinha disse resume tudo, enfim:
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"O amor, quando vem pra valer, acaba com toda rotina e cada dia é um milagre."
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E o amor é construído de pequenos gestos cotidianos, muita tolerância e troca.