quarta-feira, 29 de julho de 2009

Fuja, lôco!!

Um dia Gilda inventou de desabafar com o primeiro que apareceu na sua frente, aliás, com a primeira janelinha que subiu do lado direito do computador. Dizia ao “amigo” que estava angustiada, que estava com vontade de gritar bem alto, tamanha era a inquietude que sentia.

Aí desabafou:

- Parece que não caibo mais dentro de mim...

- Então engorde!! - disse o sujeito com risadinhas “hahaha”, meio que querendo disfarçar a indiferença presente no sarcasmo.


Depois disso, Gilda aprendeu: em momentos de depressão, fuja do msn!!


L.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

E ele nem sabe o que eu sinto...

Achei que íamos nos dar bem. Idade avançada, modelo retrô, super básico, bem o meu tipo. Nunca quis nada extravagante, suprir minhas necessidades cotidianas, ter para quem recorrer nos momentos de apuro, fazer companhia numa noite ou outra pelas ruas da cidade. Penso que nunca exigi nada além do que ele pudesse me oferecer.

Logo que o conheci disseram: “Ihh!!! Não vai dar certo, ele é muito velho pra você”, ou ainda “Você consegue algo melhor, pra quê comprar uma 'família', ele só te trará problemas!”. Mas eu não escutei, queria ele e estava decidida, era ele ou mais nenhum outro.

Nos primeiros dias nosso rolo foi leve. Eu o olhava diariamente com ternura, tinha cuidado ao falar com ele. Escolhia cada palavra, com medo que algo pudesse lhe ofender e acabar magoando, ferindo seus sentimentos. Não era amor, mas algo perto disso.

Ele havia tornado-se meu companheiro, podia contar-lhe meus segredos e gritar bem alto em sua companhia, nem que fosse só para exorcizar os fantasmas da alma. Até que um dia nossa relação foi rompida, e acho que a culpa foi minha...

Certo dia deixei faltar o combustível que fazia a nossa engrenagem funcionar, foi o que bastou para ele me abandonar logo no dia seguinte. Não saiu de casa, mas resolveu não responder ao meu chamado logo que acordei. Deixei passar, achei que ele estava magoado, dei tempo ao tempo. Quando voltei do trabalho ele já estava mais calmo, e aos poucos fui ganhando sua confiança novamente, mas nossa relação já não era mais a mesma.

Um dia resolvi fazer uma surpresa. Programei uma viagem a dois, separei nosso som do Roberto, arrumei nossas coisas e partimos. Mas tivemos uma briga no meio da viagem e retornamos no mesmo instante. Culpa dele – que fique claro!! Depois disso ele saiu de casa, ficou mais de uma semana fora, contudo, acabou voltando com o rabo entre as pernas.

Mas, nessa altura, meu sentimento por ele já havia arrefecido. Não sentia mais aquela ternura, não cuidava mais com as palavras, não ouvia mais o nosso som, não pensava mais nas curvas da estrada de Santos. De fato, algo tinha se rompido.

Apesar de tudo eu não queria aceitar, quis insistir uma última vez, sugeri aquela viagem novamente, ele aceitou. Partimos, mas num rompante tudo se acabou. Ele me deixou sem dar uma explicação, me abandonou no meio da viagem. Nem pude me despedir, talvez eu nem quisesse, minha raiva era tanta que eu queria tirá-lo pra sempre da minha vida.

Fui socorrida por amigos, que chegaram, ajudaram a recolher minhas coisas, ajuntaram o que sobrou de mim, amenizaram meu pranto. Deram conselhos e fizeram piadinhas. Tudo bem, eu aceitei numa boa, afinal, eles tinham razão, realmente o Fusca pode proporcionar apenas duas alegrias: uma quando a gente compra e outra quando vende. E, além de tudo e no final das contas, ele nem sabe o que eu sinto...

Luiza.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Saudade

Aurélio: [...do latim solitate] 1. Lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las.


Tinha acabado de chegar em casa, ainda estava se desprendendo dos casacos quando o telefone tocou, era ele. “Estou com saudades”, foi a primeira coisa que disse. “Eu também...”, iria dizer o quê? Era apenas, e não menos, isso que sentíamos.

- Estou com saudades de dançar um rock com você. Com saudade daquela festa que a gente foi e dançou até o sapato pedir pra parar, lembra?
- Lembro. E daquela outra? Aquela da sua turma... Tocou a mesma banda e a gente dançou um Beatles juntos, lembra?
- Como eu iria esquecer?! Na época acho que eu não sabia, mas agora sei... Foi um dos momentos mais felizes da minha vida.
- Da minha também. A gente era tudo, né?! E bastávamos... Agora é cada um sozinho num canto qualquer, choramingando e maldizendo as desventuras da vida.
- Tenho saudade de lá, daquela época, não da cidade em si, mas de nós.
- Eu sei, sozinhos nos perdemos de nós mesmos, um pouco a cada dia, e só o que nos resta são as recordações presas ao tempo e ao passado.
- É... Agora só me resta a nostalgia, apenas me sobra a impressão de que não somos mais e vamos ter que conviver com isso.
- Mas... a gente ainda vai se encontrar, não vai?! E a nossa promessa, você não esqueceu, não é mesmo?
- Não! Ainda levo ela comigo, um dia a gente se encontra, e se ajeita. Você ainda é parte do que me faz forte...
- Você também!

Desligaram. E a batida da saudade continuou a tocar...


L.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Eu queria ter

O sucesso ao jogar com as palavras:

Em passar sua vagínula sobre as pobres coisas do chão, a
lesma deixa risquinhos líquidos...
A lesma influi muito em meu desejo de gosmar sobre as
palavras
Neste coito com letras!
Na áspera secura de uma pedra a lesma esfrega-se
Na avidez de deserto que é a vida de uma pedra a lesma
escorre. . .
Ela fode a pedra.
Ela precisa desse deserto para viver.


do Manoel de Barros;

a sensibilidade de transformar um nome em poesia:

Ali

ali

ali
se

se alice
ali se visse
quanto alice viu
e não disse

se ali
ali se dissesse
quanta palavra
veio e não desce

ali
bem ali
dentro da alice
só alice
com alice
ali se parece


do Leminski;

a inspiração o tempo todo:

Dialética

É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz

Mas acontece que eu sou triste...


do Vinícius de Moraes;

a simplicidade tocante:

tem os que passam
e tudo se passa
com passos já passados

tem os que partem
da pedra ao vidro
deixam tudo partido

e tem, ainda bem,
os que deixam
a vaga impressão
de ter ficado

da Alice Ruiz;

e a sabedoria:

E então, que quereis?...

Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.

Não estamos alegres,
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?
O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.


do Maiakovski.

Luiza.