sexta-feira, 21 de novembro de 2008

UMA BEATRIZ PARA DOIS

“Flora, se visse os gestos de ambos, é provável que descesse do céu, e buscasse maneira de os ouvir perpetuamente, uma Beatriz para dois. Mas não viu ou não lhe pareceu bem descer. Talvez não achasse necessidade de tornar cá, para servir de madrinha a um duelo que deixara em meio.” (Trecho de Esaú e Jacó, Machado de Assis)

Sou de Tiago.
Sou de Lucas.
Tiago é Capricórnio
Lucas é Escorpião
Tiago é mais velho
Lucas é mais novo
Tiago tem emprego
Lucas é estudante
Tiago anda de carro
Lucas de bicicleta
Para Tiago eu me maquio
Para Lucas eu cozinho
Com Tiago eu vou ao bar
Com Lucas à missa
Os sábados são de Tiago
Os domingos de Lucas
Com Tiago madrugadas beijando
Com Lucas só conversando
Capricórnio me instiga
Escorpião me ganha
Tiago é inteligente
Lucas toca violão
Tiago tenta ir além
Lucas me abraça
Tiago quando escreve me abala
Lucas quando sorri me desarma
Para Tiago a ausência é normal
Para Lucas faço falta
Com Tiago não há muita conversa
Para Lucas conto segredos
Para Tiago pergunto o que há
Para Lucas digo coisas que lhe fazem pensar
Tiago é Caim
Lucas é Abel
Não sei dos fantasmas de Tiago
Sei que Lucas para o dele deve voltar
Eu e Tiago nos beijamos só escondidos
Eu e Lucas só nos entendemos no olhar
Sei bem menos que os olhos castanhos de Tiago
Queria encarar os olhos castanhos de Lucas sem piscar
Tiago é cabeça dura, razão
Lucas é coração mole, emoção
Tiago é canalha
Lucas é gentil
Tiago é irredutível
Lucas é comovido
A escrita de Tiago é impecável
A de Lucas esbarra na concordância
Tiago me beija e nada mais
Lucas me olha e nem há mais
O nada mais de Tiago é algo sério
O mais de Lucas é carne
Tiago esquece os compromissos
Lucas lembra minha música
Tiago é blues
Lucas é pop rock
Para Tiago sou mais uma
Para Lucas sou amiga leal
Tiago é pecador
Lucas é santo
De Tiago não sei o que quer de mim
De Lucas desconfio de muita coisa

E eu me divido entre Esaú e Jacó
Com Tiago sou pervertida
Com Lucas sou angelical

Na verdade, queria um terceiro
Um André ou Paulo, sei lá
Alguém que não fosse nem Lucas nem Tiago
Nem tanto a terra, nem tanto ao mar
Alguém mais igual a mim
Assim, um meio-termo.


Me chame de doida, ou de Beatriz.

sábado, 15 de novembro de 2008

Desabafo sem métrica

"Cadê a tampa da pasta de dentes?
Minha escova, onde eu deixei?
O espelho me olha impaciente
Eu ia me encontrar e me atrasei..."


De como se perder...

Carolina nunca gostou de escrever frases com reticências. Achava sempre muito tosco uma pessoa escrever orações verbais e deixar aqueles três pontinhos no final, como se não conseguissem racionar ou dar um ponto final em coisas simples.

Mas atualmente ela tem escrito nove em cada dez frases com reticências e ao escrevê-las também saboreia o gosto de sentir-se reticente, em tudo. Na verdade, tem lembrado que as coisas não se decidem de um momento pro outro e talvez nunca se resolvam, por isso a importância de manter a calma e seguir em frente, por pior que seja.

Acho que por algum tempo tinha esquecido que - tudo - quanto mais simples mais complexo. Uma manhã levantou sem saber o que fazer com a vida que não ia muito bem e novamente sentiu outro gosto, de que era muito fácil se perder pelo caminho. Pensou nisso porque algumas coisas sempre estavam certas no seu papel de planos para o futuro, mas de uma hora pra outra levou um tombo, daqueles que demoram pra levantar e nunca mais soube o que fazer.

Percebeu que o que mais a incomodava era o fato de que não conseguia ver nada à frente, e sentiu-se vazia como nunca cogitou sentir-se, nem em seus sonhos mais loucos o subconsciente deixava isso acontecer. “Realmente é fácil perder-se...”, falou baixinho com medo e com as reticências.

A partir daí colocou uma meta na cabeça – uma nota mental como diria sua amiga Beatriz. “Encontrar-se”. Uma só palavra, simples assim. Mas no simples vocês já sabem o que existe. E só.



Da ausente Carolina.