quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A virgem e o cronista

- Alô?
- Oi, Veríssimo? Quero falar com você sobre um problema.... Um problema quase social...
- Quem é você? Às duas da madrugada? Como tem meu telefone?
- Nada disso importa... – diz a interlocutora com um sotaqueestranhíssimo – Já assistiu àquela peça em que o personagem fala isso?– o silêncio a faz ter certeza de que ele não viu e não está interessado na peça – Mas deveria ver, é muito boa! Muito engraçada...
- Eu vou desligar...
- Não, não faça isso... Eu sou uma boa história...
- É?
- É... Sou virgem...
- E daí? Todas as mulheres nascem assim...
- Mas faz 30 anos que eu nasci....
- E você quer que eu te coma?
- Não! Credo! Que nojo!
- Nojo?
- Não... Quer dizer, sim... Sei lá! Eu não quero dar pra você... Maseu quero dar pra alguém...
- E você quer que eu indique um amigo então? Este tipo de coisa pega mal se eu indicar alguém... Sabe? É aquele tipo de função que um homem não pode delegar a outro...
- Aff! Não... Você não entende nada...
- Não mesmo! Você me liga de madrugada, me diz que é virgem, mas não quer que eu te coma, e exige que eu te entenda...
- Você quer dormir? Eu ligo pro Cony....
- Não, já perdi o sono...
- Na primeira vez que eu estava disposta a dar, eu dormi...
- Que cara incompetente!
- O quê?
- Eu não disse nada...
- Então, como eu ia te contando, a maconha me deu sono...
- Era só o que faltava... – diz indignado o cronista do outro lado da linha – Fumou um baseado hoje também?
- Não! Você entende tudo errado! Fumaram perto de mim! Ele foi aobanheiro e quando voltou eu estava apagada... Acho que o cheiro me fez mal...
- E daí desistiu de dar Bela Adormecida?
- Perdeu o clima...
- Eu sei...
- Sabe?
- Não... Quer dizer... Agora, por exemplo, perdi o sono...
- Você está comparando tesão com sono?
- É... Não... Talvez...
- Depois ninguém mais tentou... Tipo assim, tentou de verdade...
- E o que é tentar de verdade?
- Ahh... Vai querer que eu te fale da minha intimidade?
- Olha quem fala de intimidade?
- Você quer que eu fale sobre a mão dele na minha calcinha?
- ...
- Mas eu não vou falar... Pode perder as esperanças, está achando queisso aqui é disk sexo??? Então, depois deste da maconha, como uma vingançado destino, foi o cara que dormiu e eu fiquei na mão... Na verdade, nem na mão...
- E o que eu tenho a ver com tudo isso?
- Nada, só quero que você escreva uma coluna sobre o meu karma.
- Virgindade agora é karma?
- É... depois de uma certa idade, uma faculdade e outras formações...
- Você é bonita?
- Sou inteligente, se é que me entende...
- Hmm...
- Por quê?
- Sei lá... Já tem meu telefone, talvez queira meu endereço...
- Mas é muito audacioso mesmo! Eu liguei só para te dar uma boa história...
- E porque decidiu dar para mim?
- Quantas vezes eu vou ter que te dizer que eu não quero dar para você? – disse a virgem pau-sa-da-men-te para garantir a compreensão.
- Eu to falando da história!
- Ah! Porque eu gosto do jeito que você escreve.
- Então você quer que eu publique esta história?
- É... mas tem que ficar engraçada...
- Você acha engraçado ser virgem com esta idade? Eu acho um tanto 'trágico'...
- Pois é... Mas é engraçado... Eu tenho uma amiga devoradora de pintos...
- Meu Deus! Onde será que nós vamos chegar?
- Nós não nos falamos há anos....
- Por quê?
- Por falta de assunto... Então, você vai publicar a minha história?
- Não sei.. Tenho que pensar, achar um gancho...
- Ta bom... Vou ler sua coluna depois de amanhã porque a de hoje já está nas bancas.
- Aham... E se pensar melhor, talvez eu possa ajudar, ligue de novo...

Dois dias depois, a coluna mais lida do jornal: "A incrível história dadevoradora de pintos". Ela leu a coluna sem acreditar no que via: uma história ridícula sobre uma ninfomaníaca insaciável que se dizia mal-comida... E no final da história, dizia o cronista: "Era uma mulher muito sozinha. A única a amiga que teve era uma velha virgem, com quem não falava há anos por falta de assunto".


Inspirada por uma conversa entre as mulheres de Atenas,
Helena

domingo, 14 de setembro de 2008

Com a licença poética...

Martina e Claudia

Martina e Claudia costumavam dizer que eram infinitamente amigas. Colegas de faculdade, encontravam-se sete dias por semana. Sabiam tudo uma da outra, desde a aquisição de calcinhas novas às crises familiares. Davam-se bem, além de tudo, porque adoravam conversar e beber juntas. Noites de sábado repletas de vinho e fofocas. Para quê homens, infantis, estúpidos e entendiantes, quando se tem grandes amigas?
Claro que nas devidas proporções. Não eram lésbicas, afinal, havia nos homens uma peça fundamental da qual só eles dispunham. E às vezes iam a festas, nas quais dividiam ainda mais histórias. Na metade da noite cansavam-se das rodadas de tequila, paravam no balcão e observavam a festa com rigor acadêmico. Era sua maior diversão. Aos seus olhos, os passos de funk tornavam-se ritos coreografados da dança do acasalamento, os caras que perseguiam as mulheres eram machos predadores. E Martina e Claudia se recusavam a desfilar como se estivessem na vitrine de um açougue, para serem aprovadas ou não por exemplares nada exímios do sexo oposto. As noites acabavam mais cedo, mas sempre havia muita gargalhada para passarem o domingo.
Tinham tido pouco amores para rechear o currículo. Martina dizia que todas as suas histórias de amor juntas não davam um curta-metragem. Claudia tinha uns amores aqui, outros acolá, mas sempre desprezíveis. No terceiro encontro, via que não dava mais. No início da faculdade, ela e um colega tinham feito a babaquice de trocar uns beijos. O irmão havia lhe aconselhado: nunca, jamais, fique com colegas de faculdade. Ou vira namoro ou vira um estorvo para quem você tem que olhar na cara pelos quatro anos.
Aurélio era baixinho, metido a besta e tinha um sotaque mineiro misturado com um paulista arrastado que não atraía Claudia de maneira nenhuma. Mas enredaram-se numa história cheia de idas e vindas, sem ninguém se assumir, com direito a copos de cerveja na cara, declarações públicas de ódio recíproco, provocações de ciúmes e até uma trágica festa de aniversário dela, em que ele beijou outra, para protesto de todos os amigos presentes.
Tapas e beijos que duraram anos. Para ela, restou o asco. Achava que a recíproca era verdadeira, até que descobriu, no fim do quarto ano, que Aurélio nutria um sentimento mais profundo. Ele achava que Claudia era a mulher da sua vida.
Ela sabia disso porque Martina lhe contou. Era para ela que ele declarou, depois de umas rodadas de chopp, que não conseguia esquecer a “garota cheia de nove horas”, como ele se referia a Claudia, que nem deu ouvidos para a história que a outra lhe contava. Pelo contrário, dava gargalhadas.
Sem os encontros presenciais da faculdade, o sentimento virou pó. Foi só numa noite de sábado, dois anos depois de formadas, regadas a vinho do Porto, que o fantasma de Aurélio apareceu, para minar a irmandade das amigas.
- Esse cara do filme me lembra o Aurélio... disse, sonolenta, Claudia.
- Nossa, o Aurélio. Há quanto tempo a gente não fala o nome dele. - respondeu Martina.
- Graças ao bom Deus!
Depois das gargalhadas habituais, Martina coçou os olhos e falou, assim, como quem conta uma história corriqueira:
- Ainda lembro dele se lamentando comigo. Tinha uma época que ele aparecia na minha casa todo dia, um dia até chorou. Eu o proibi um monte de vezes de ligar na sua casa ou de chegar para falar com você nas festas. Ele falava que não conseguia viver sem você. Que queria te ligar, aparecer na sua casa de madrugada, que acordava à noite aflito sem dormir e só você vinha na mente dele. - riu.
A outra ficou em um longo silêncio. Depois, virou para a amiga e perguntou firme:
- E por que você nunca me falou isso?
- Isso, o quê? Claro que falei, boba. Disse um par de vezes!
- Não disse não! Você disse que um dia ele, bêbado, veio se queixar. Essa história de ir na sua casa, todo dia, de não conseguir dormir sem mim, isso você nunca havia falado!
- Ah, você não ia dar bola mesmo... Eu disse para ele desencanar.
- O quê? E agora você quer decidir as coisas por mim? Em um caso desses é comum a gente pelo menos contar para a pessoa, para pelo menos ela saber o que acha e aí então tomar uma decisão! Se eu não queria nada com ele, era meu direito dizer isso para ele! Mas peraí... Só pode ter uma explicação. Você me contaria tudo, como sempre faz, a menos...
- A menos que o quê, Claudia?
- A menos que você fosse apaixonada pelo Aurélio, Martina! Você era?
A outra não respondeu. Ficou em silêncio, desviando o olhar da amiga.
Claudia apanhou as coisas e saiu. Nunca mais se viram, nunca mais trocaram uma palavra.

da inspirada por uma conversa das Mulheres em uma madrugada de sábado, Beatriz